Ruy Castro é um dos maiores jornalistas do país. Em quase cinco décadas de atividade, ele integrou a equipe de praticamente todo jornal e revista importantes de nossa história recente, além de testemunhar, in loco, vários acontecimentos momentosos da vida nacional: bossa nova, cinema novo, poesia concreta, Copas do Mundo, ditadura, AI-5, festivais da canção, tropicália, morte do western, ressurreição do samba, abertura política, desbunde, disco, Embrafilme, retorno à democracia, boom das importações, explosão do pagode e do sertanejo, MPB no ostracismo.

A lista acima não é arbitrária. Se há um elemento comum, um leitmotif na produção jornalística de Ruy Castro, é a sua militância pela cultura. Ao deixar o jornalismo diário, no início da década de 1980, ele passou a se concentrar em livros e antologias sobre suas grandes paixões: música popular e cinema. De perfis de gente como Alfred Hitchcock, Billy Wilder e Mae West, três nomes caros ao escritor, a biografias de João Gilberto (o nome que une as dezenas de personagens de Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova, de 1989) e Carmen Miranda (Carmen, 2005), a missão de Ruy tem sido dividir com os leitores a admiração permanente e apaixonada pelos nomes que marcaram a cultura do século passado, especialmente entre as décadas de 1930 e 1970.

São dele, por exemplo, as antologias de dois nomes fundamentais para a crítica de cinema no Brasil: Antonio Moniz Vianna (Um Filme por Dia – saiba mais sobre ele aqui) e José Lino Grünewald (Um Filme é um Filme), ambos indispensáveis para quem se interessa por grandes filmes e grandes textos sobre filmes.

Em 2006, porém, pegando o embalo das antologias, a escritora Heloísa Seixas, mulher de Ruy, decidiu fazer o mesmo com os artigos do marido. O volume resultante, Um Filme é para Sempre, é mais um show de informação, mesclada a um estilo ágil e deliciosas idiossincrasias, como em seus livros sobre música brasileira (A Onda que se Ergueu no Mar), jazz (Tempestade de Ritmos) e literatura (O Leitor Apaixonado – todos publicados pela Companhia das Letras). Diferente das coletâneas sobre Moniz Vianna e José Lino, porém, Um Filme é Para Sempre não traz uma única crítica.

Em sua enorme produção para a imprensa, Ruy nunca topou ser um jornalista “especializado” – isto é, escrevendo sobre um único assunto, como cinema ou política. Ele sempre preferiu falar sobre o que lhe parecesse relevante no dia, fosse o aniversário de Noel Rosa, a decadência de Jean-Luc Godard ou a Revolução dos Cravos em Portugal. Essa moral toda só foi possível graças à grande habilidade do autor para informar e ser acessível, sobretudo através do humor – característica que fica evidente logo nas primeiras páginas de Um Filme é para Sempre.

Entre os destaques do livro, há análises inspiradas sobre figuras como Groucho Marx e Jerry Lewis, perfis iluminadores de John Wayne, Romy Schneider e os Nicholas Brothers, e discussões envolventes sobre filmes como Freaks (1932), de Tod Browning, O Terceiro Homem (1949), de Carol Reed, e Os Mil Olhos de Dr. Mabuse (1960), de Fritz Lang. Duas seções, porém, se sobressaem: a vigorosa defesa dos musicais que Ruy faz na primeira parte do livro, resgatando a história dos grandes nomes e mostrando por que este é um gênero tão “cinematográfico” e importante quanto qualquer outro – no que lhe sou imensamente grato, esperando ver um dia a ressurreição gloriosa das grandes canções e coreografias na telona –, e os magníficos perfis sobre Stanley Kubrick e Woody Allen, os dois diretores favoritos do escritor – numa feliz coincidência, os meus também.

Mas a principal razão para ler Um Filme é para Sempre é mesmo a admiração que desponta de cada página do livro. Ruy, ao falar dos nomes que marcaram sua vida de cinéfilo, consegue seduzir qualquer leitor a conhecê-los, se este já não sair da leitura fã de carteirinha, como o autor. Diferente dos livros sobre análise de filmes, história do cinema, bastidores ou os cem-mais-qualquer-coisa, escolhi Um Filme para Sempre por ele ser um registro único – e emocionante – de puro e simples amor ao cinema.

Um Filme é para Sempre