A segunda temporada de Westworld foi a prova de fogo para a série. Apontada em 2016 como a aposta da HBO para substituir Game of Thrones, em vias de se encerrar, a adaptação para a TV do filme de Michael Crichton de 1973 se revelou um produto não exatamente indicado para assumir essa função. Afinal, a temporada exibiu reviravoltas na sua cronologia temporal que obrigavam o espectador a prestar atenção e, como bom exemplar da ficção-científica, abordou temas como livre-arbítrio, desumanização provocada pela tecnologia e questionamentos sobre a realidade. Ou seja, um negócio meio “papo cabeça”, o que não exatamente empolga as grandes massas, uma série mais “intelectual” e não tão visceral como Game of Thrones.

No entanto, a série superou esse rótulo – assim como alguns problemas de produção no primeiro ano – e, tal e qual seus personagens artificialmente criados, evoluiu para algo não necessariamente imaginado por quem acompanhou a temporada inicial. A segunda temporada de Westworld soluciona alguns mistérios, introduz outros novos, explora e desenvolve ainda mais seus personagens principais, tem mais ação e emoções fortes e traz um final até mais impactante e surpreendente que o da primeira.

O segundo ano se inicia praticamente de onde o primeiro acabou – ou será que não? Afinal, aprendemos a desconfiar do tempo na série desde a revelação do último episódio da primeira temporada, que mostrava que alguns personagens estavam em períodos de tempo distintos. Em todo o caso, a revolta dos robôs tem início, sob o comando de uma nova e fria Dolores (Evan Rachel Wood), e o resultado é o sangrento massacre dos convidados humanos do parque. Junto com Teddy (James Marsden), ela embarca num objetivo que se torna claro ao longo da temporada, um envolvendo mais um grande segredo do parque: o que é o “Além do Vale”?

Enquanto os donos humanos do parque, liderados pela implacável Charlotte Hale (Tessa Thompson), tentam recuperar o controle das coisas, Maeve (Thandie Newton) continua sua busca pela sua filha, o que amplifica o bem-vindo “coração” da série, ou seja, um núcleo emocional forte. Maeve acaba eclipsando a própria protagonista, pois sem dúvida sua jornada emocional desperta mais empatia do que a de Dolores, envolta em mistério e conduzida por uma personagem mais fria. Enquanto isso, o Homem de Preto (Ed Harris) finalmente embarca numa busca com riscos reais – o que ele desejava – e mais detalhes de sua vida nos são apresentados. E Bernard (Jeffrey Wright) lida com seus próprios mistérios e se torna personagem-chave da trama. É graças a ele que Westworld volta a embaralhar a cronologia temporal dos seus acontecimentos, tornando a temporada um novo “quebra-cabeça”.

É uma estratégia que lembra um pouco Lost, e a maneira como Westworld enfoca vários “núcleos” de personagens em suas próprias jornadas também desperta lembranças ocasionais da misteriosa série da década passada. Mas a intenção dos criadores (e casados na vida real) Lisa Joy e Jonathan Nolan, irmão de Christopher, vai além de confundir – bem, eles confundem um pouco, né? O sobrenome Nolan fala alto… Dentro desse verdadeiro mosaico de personagens e mistérios, eles aprofundam a discussão dos temas da primeira temporada e introduzem um novo, um desdobramento natural da ideia original de Michael Crichton e que ampliou o escopo da narrativa, além de poder trazer grandes desenvolvimentos para a série no futuro.

E fizeram isso sem se esquecer da ação e do suspense necessários para prender a atenção das plateias modernas da TV, e ampliando o universo da série. Nesta segunda temporada houve cenas fora do parque, que mostraram um pouco do mundo futurista e da sociedade que criou o Westworld. E além de uma breve passada no “mundo indiano”, foi até introduzido o “Shogunworld”, a versão japonesa do Westworld – ideia emprestada do filme de Crichton, que mostrava também os mundos romano e medieval. O tempo gasto no Shogunworld não rendeu tanto quanto prometia, mas possibilitou o crescimento da figura de Maeve e um próprio comentário dos roteiristas sobre a produção de uma série de TV. Afinal, o roteirista preguiçoso do parque, vivido pelo ótimo Simon Quarterman, fez do Shogunworld uma mera cópia carbono do Westworld, com os mesmos personagens arquetípicos e situações semelhantes.

Além dos roteiros e da direção, que praticamente nos obrigam a prestar bastante atenção em cada episódio, o elenco da série também faz um trabalho espetacular. Thandie Newton destrói o espectador a cada episódio, Jeffrey Wright e Evan Rachel Wood são sempre sólidos e possuem momentos para brilhar, Peter Mullan e Katja Herbers impressionam a cada cena dos seus novos personagens, e Anthony Hopkins retorna pontualmente como o criador do parque Robert Ford para nos lembrar de que Westworld é o seu melhor trabalho como ator em muitos anos. Também merece destaque o ator nativo-americano Zahn McClarnon como Akecheta, que estrela seu próprio episódio – o oitavo da temporada – e consegue nos emocionar com uma história forte sobre o tema da desumanização sempre presente no seriado.

Há alguns “vales”, com o perdão do trocadilho, no meio da temporada – o já mencionado Shogunworld, algumas situações envolvendo Dolores e o Homem de Preto – momentos em que parece que os roteiristas estão marcando o tempo e adiando um pouco a chegada naquilo que realmente interessa. Mas de modo geral a segunda temporada de Westworld representa um salto em relação à já muito boa primeira e firma o seriado como uma das grandes ficções-científicas modernas e algo muito especial dentro do atual panorama televisivo. No fim das contas, parece que Westworld não vai virar mesmo a nova Game of Thrones. Mas nem precisa ser. Pode acabar virando algo melhor.