François Truffaut uma vez disse que não é possível fazer um filme anti-guerra de verdade. Porque o cinema naturalmente torna tudo mais espetacular: a violência, o sexo, a beleza das pessoas ou da natureza… É algo inerente à mídia cinematográfica, um filme torna tudo mais intenso, mais forte, do que é na vida real. Então, na opinião de Truffaut, quando se mostra a guerra, por mais que o filme a condene, os cineastas não conseguiriam realmente evitar de fazê-la parecer legal e emocionante, ao menos um pouco.

Podemos debater sobre essa afirmação, mas é verdade que na história do cinema alguns filmes se esforçaram, sim, para mostrar o absurdo da guerra e questionar as razões para a existência dos mais variados conflitos. 12 Heróis, dirigido por Nicolai Fuglsig e produzido pelo mago dos blockbusters Jerry Bruckheimer, não é um deles. A função de 12 Heróis, como se dá para perceber até pelo título, seja o nacional ou o original (12 Strong, ou os 12 Fortes), é o de entreter o espectador contando uma história de heroísmo durante a guerra. Na visão do filme, a guerra é emocionante até demais, uma chance para homens se provarem e realizarem algo grande em nome do seu país, traumatizado por um evento sem precedentes. A guerra é quase uma aventura.

Os heróis do título são os soldados norte-americanos que realizaram o primeiro contra-ataque dos Estados Unidos depois dos atentados de Onze de Setembro de 2001. O filme é baseado em fatos reais e, apesar do título, só três personagens se destacam de verdade: Chris Hemsworth vive o líder do esquadrão das Forças Especiais, Capitão Nelson; Michael Shannon vive seu amigo e segundo em comando, Spencer; e Michael Peña representa um ocasional alívio cômico como o soldado Diller. Todos se apresentam para o serviço no 11/09 e são enviados para o Afeganistão, onde vão combater o Tailbã junto das forças do general Dostum (Navid Negahban).

Esses três personagens são os que vemos com suas esposas no início do filme – Hemsworth até atua com sua esposa da vida real, a atriz Elsa Pataky. É curioso o papel das mulheres na história: as atrizes têm aquelas cenas clichês nas quais se despedem dos seus maridos; e mais tarde aparecem acompanhando notícias da guerra na TV. Já os vilões do Talibã são apresentados numa sessão de apedrejamento de uma “infiel”. Até o general Dostum diz em certo momento que, na sua juventude, as mulheres podiam estudar e andar sem burkas no Afeganistão. É interessante esse contraponto de defesa e santidade das mulheres, ainda mais quando o herói do filme é apresentado dando uma de menino mimado, quebrando a escrivaninha da sua sala, raivoso porque seu oficial superior não quer deixa-lo ir ao Afeganistão para meter bala em terroristas.

Bem, se o roteiro do filme é previsível é repleto de clichês – tem até o suspensezinho do personagem que abandona a luta num momento importante, para ressurgir depois no melhor estilo Han Solo – pelo menos tecnicamente ele é um espetáculo.  O design de som é impressionante, equilibrado a ponto de fazer com cada tiro e explosão balancem o assento do cinema, e também capaz de provocar a imersão em cenas mais tranquilas. E as cenas de batalha são muito bem realizadas, com Fuglsig dispensando efeitos de computação em vários momentos e criando cenas de guerra realistas, em frente à câmera.

Mas esse virtuosismo técnico está a serviço daquilo que Truffaut explicitou há tantos anos. Quando se transforma a guerra num espetáculo emocionante, aliado à ideologia do filme que busca sempre valorizar o norte-americano e coloca-lo como “superior”, o que se tem é menos uma narrativa cinematográfica e mais uma peça de recrutamento. É interessante como todos os personagens árabes em 12 Heróis são mostrados ora como vilões frios, ora como figuras dúbias. Até Dostum é um sujeito misterioso e distante por toda a narrativa, e não se sente na história que ele e Nelson se tornam amigos, como algumas cenas no desfecho do filme desejam nos fazer crer.

Hollywood sempre produziu esse tipo de espetáculo, assim como as indústrias cinematográficas de outros países – não existe só nacionalismo hollywoodiano no cinema. Mas como eles são a indústria dominante, seus filmes têm maior alcance. 12 Heróis faz parte de uma onda de grandes espetáculos de guerra pós-11 de Setembro, como O Grande Herói (2013) de Peter Berg e 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi (2015) de Michael Bay, todos bem barulhentos e caprichando no ufanismo. Em relação a estes filmes, 12 Heróis perde por ser mais formulaico e por possuir quase nada de tensão – afinal, é difícil ter a sensação de que qualquer dos personagens principais está em perigo, pois isso iria diminuir a experiência, iria de encontro ao sentimento nacionalista que o longa quer criar.

No fim, 12 Heróis relembra um pouco dos velhos tempos de Rambo 3 (1988), outro filme que mostrava americanos no Afeganistão e queria fazer o espectador se sentir bem e justificado após algumas cenas de batalha e heroísmo. Guerra no cinema é um assunto sempre complicado, sobre o qual cineastas e estudiosos ainda não chegaram a um consenso. Mas uma coisa é clara: embora possamos discutir se existem mesmo filmes anti-guerra, este 12 Heróis não está interessado em ser anti-guerra em momento algum. Pelo menos há uma honestidade aí.