Forrest Gump: O Contador de Histórias é um filme curioso por apresentar uma dupla natureza. Por um lado, é uma obra que apresenta momentos de um sentimentalismo quase piegas; por outro, é uma obra satírica e com momentos de inegável inteligência. No filme também se percebe um contraste entre ingenuidade e cinismo, entre uma nostalgia pelos tempos mais ingênuos da história dos Estados Unidos e a visão mais dura e realista que se tem hoje daquele período. É um filme interessante justamente por essa dualidade, refletida no protagonista da história. Forrest Gump parece ser estúpido, mas em alguns momentos do filme também parece ser mais sábio que os demais personagens.

Forrest, interpretado de forma inesquecível por Tom Hanks, é um sujeito de terno branco e tênis que está sentado num banco de praça, esperando um ônibus. Ao seu lado, ele guarda a sua maleta, e dentro dela, uma caixa de chocolates – descobrimos mais tarde que a caixa é um presente, embora isso não o impeça de comer alguns… “A vida é como uma caixa de chocolates, você nunca sabe o que vai achar”, é uma das pérolas de sabedoria ditas por Forrest, proveniente dos ensinamentos da sua mãe, e essa frase meio boba, meio inteligente acabou se tornando a mais conhecida do filme. Olha aí a dualidade de novo.

Enquanto espera pelo ônibus, Forrest conta a história da sua vida para os diferentes interlocutores que sentam ao seu lado no banco. Seu relato vai dos anos 1950 até o começo dos anos 1980, e logo vemos o protagonista participando de grandes eventos da história americana deste período, e em alguns casos, até influenciando, sem querer, o desenrolar desses eventos.

Forrest nasce no Alabama, é criado pela sua mãe (Sally Field) com todo seu apoio, apesar do baixo QI do garoto e do seu problema nas pernas. Ele supera as dificuldades (mais ou menos), começa a correr bem rápido, se torna um astro do futebol americano por causa disso, vai para a faculdade e depois para a guerra no Vietnã. Depois, vira um grande jogador de pingue-pongue e um milionário improvável, e ao mesmo tempo em que passa por tudo isso, encontra também figuras como Elvis Presley, John Lennon e os presidentes americanos John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon. Outras pessoas importantes entram e saem da sua vida, como seu melhor amigo Bubba (Mykelti Williamson), outro enjeitado, devido à sua aparência; o tenente Dan (Gary Sinise), seu oficial superior no exército, e Jenny (Robin Wright), o amor da sua vida.

Resultado de imagem para forrest gump

Forrest Gump nos leva a uma viagem por um trecho muito emocionante da história americana, dando a oportunidade ao diretor do filme, Robert Zemeckis, de exercitar sua conhecida competência técnica. Anteriormente, na sua trilogia De Volta para o Futuro, ele nos levava aos anos 1950 e lá ficava clara a forma como ele via essa época com nostalgia. O mesmo sentimento é observado em Forrest Gump, e aqui Zemeckis consegue colocar Tom Hanks lado a lado com diversas figuras históricas – embora hoje em dia o trabalho dos efeitos já tenha envelhecido um pouco e possamos notar como o movimento dos lábios dessas figuras nem sempre corresponde ao que eles dizem. Zemeckis também recria a guerra do Vietnã, some com as pernas do ator Gary Sinise e cria uma monumental e inesquecível cena de multidão em Washington.

Nessa cena, aparentemente Forrest Gump diz a coisa mais inteligente do filme, um comentário sobre a guerra, mas Zemeckis e seu roteirista Eric Roth, de forma curiosa, não nos deixa ouvir o que ele fala e ficamos livres para imaginar. É um dos momentos nos quais o filme nos mostra que seu herói não é tão abobalhado quanto a maioria pensa. Aliás, pelo contrário, pois Forrest parece ser inteligente “o bastante”. Sua falta de cinismo muitas vezes o faz encarar as coisas como realmente são, e por acaso alguém consegue extrair mais sentido dos absurdos do mundo real do que ele?

Resultado de imagem para forrest gump

É por isso que a atuação de Tom Hanks no papel é especial. O ator consegue transmitir a inocência do personagem de forma cativante e verdadeira. Além disso, como Forrest, Hanks consegue aliar seu talento de ator dramático com sua experiência cômica. Há momentos maravilhosamente hilários em Forrest Gump, e os melhores são aqueles nos quais rimos do contraste entre a ingenuidade do protagonista e os acontecimentos históricos que ele relata. É impossível não rir, por exemplo, quando Forrest afirma ter um bisavô que ajudou a fundar a Ku Klux Klan, ou quando ele chama a polícia ao testemunhar a invasão do escritório em frente ao seu hotel, o Watergate, o pontapé inicial do escândalo que causou a renuncia de Nixon alguns anos depois.

Mas não é apenas Hanks que brilha no filme. Zemeckis sempre teve uma reputação forte como diretor técnico, mas injustamente não é reconhecido como grande diretor de atores, embora até devesse. Todo o elenco em Forrest Gump apresenta grandes interpretações, do garotinho Michael Conner Humphreys como o jovem Forrest (de quem Hanks admitiu ter pego emprestado vários trejeitos do personagem) até o hilário Williamson e o energético Sinise. E Robin Wright, como Jenny, oferece uma performance intensa enquanto sua personagem passa por todas as etapas da  contracultura americana do século XX: vira cantora folk, stripper, hippie, protesta contra a guerra e depois se vicia em drogas.

E Sally Field é simpática e eficiente como a Mama Gump. Embora a cena final entre ela e seu filho fique a um passo da pieguice, ela serve para expor outro tema interessante ao filme. Forrest pergunta à mãe qual é o destino dele, Mama diz para ele tentar descobrir por si mesmo. É a ideia sintetizada por uma das imagens chave do filme, a da pena flutuando ao vento. Forrest é, por grande parte do filme, um dos maiores protagonistas “reativos” do cinema, apenas reagindo ao ser levado de um lugar para o outro na vida pela força das circunstâncias. Ele também, do seu jeito, procura fazer sentido das suas experiências, assim como nós: no melhor segmento do filme, Forrest sai correndo pelo país após mais um sumiço de Jenny, e passa a ser seguido por dezenas de outras pessoas, que veem nele uma espécie de líder.

Resultado de imagem para forrest gump

Do seu jeito simples, Forrest oferece uma explicação para a sua corrida pelo país, mas o espectador, a exemplo dos demais corredores, fica buscando algum sentido a mais para aquele ato. E quando ele para de correr, seus seguidores ficam perdidos e à deriva – “E o que fazemos agora?”, alguém chega a perguntar.  No fim das contas, o protagonista é alguém que vê a vida de um jeito simples e o filme, por algumas horas, nos coloca no seu ponto de vista. Na sua ótica, talvez o destino e o acaso atuem ao mesmo tempo, como ele afirma no final do filme, e ao presenciarmos sua história, acabamos compreendendo essa noção, e de novo o filme consegue unir conceitos antagônicos.

Se Forrest Gump passa a vida flutuando na brisa como a pena, ao final do filme ele encontra um propósito. E o desfecho terno e belo concilia novamente dois conceitos aparentemente opostos, a inocência de Forrest e o cinismo de Jenny, na forma do filho de ambos. Ao final, Zemeckis, Roth e Hanks parecem nos dizer que podemos viver com um pouco de inocência, temperada com uma visão sensata do mundo, e é essa ideia que faz de Forrest Gump um filme especial.

NOTA: 9,0