24 Letras por Segundo é uma antologia de contos que parte de uma proposta interessante: se é tão comum vermos filmes baseados em obras literárias, como seria fazer o caminho inverso? A ideia toma forma através de dezessete escritores brasileiros, que aceitaram o desafio de trazer para a literatura referências e aspectos das obras de seus cineastas preferidos. O resultado é bem variado, e tem de tudo um pouco: desde o tom erótico de Bernardo Bertolucci e Pedro Almodóvar ao sobrenatural de Zé do Caixão.

De cara, o primeiro conto do livro já se inspira na filmografia de Quentin Tarantino, em uma história cheia de violência gráfica e diálogos com referências pop. Ponto positivo para o gaúcho Bernardo Moraes, que em O Túmulo Frio de Mimi Meyers já consegue prender a atenção para as próximas histórias da antologia. Outra surpresa vem em seguida, com Um Mar para Carmina. O conto de Monique Revillion, um dos melhores da obra, capta a estranheza e o visual do cinema de Tim Burton, em um ritmo lírico e melancólico que poderia facilmente render um filme no clima de Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas.

Claro que nem tudo são flores em 24 Letras por Segundo: o conto de Rodrigo Rosp, organizador da coletânea, é meio óbvio em sua tentativa de emular um diálogo metalinguístico inspirado em Woody Allen. Mas o conto mais fraco é mesmo Irmãos, de Reginaldo Pujol Filho, que, em uma tentativa de homenagear os Irmãos Coen, escreve um conto longo e forçado e, ainda por cima, tem a mania irritante de fazer trocadilhos com os nomes dos filmes do duo americano, como se isso bastasse como referência.

Felizmente, o bom nível da coletânea volta com outros títulos, como Esqueletos no Armário, em que Eric Novello remete ao tom de Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, e Se Não Ficares Até o Fim, Eles Te Passam a Perna, de Bruno Mattos. Neste último, o autor acerta na homenagem a José Mojica Marins, o Zé do Caixão, de forma que a história trash poderia até ser narrada pelo próprio Zé com o seu tom de voz assombroso.

Porém, os grandes destaques ficam mesmo no fim do livro, valendo já toda a obra. Em Um Dia na Vida de David Lynch, o carioca Márcio-André faz um exercício metalinguístico que encarna perfeitamente a atmosfera confusa e surreal de um filme de Lynch, em uma história que envolve troca de identidades. Já o melhor título da coletânea fica por conta de Rafael Bán Jacobsen, em O Paradigma do Mexilhão. Não é difícil de imaginar Pedro Almodóvar realmente filmando a história pensada por Jacobsen em seu conto: as cores fortes e o tom erótico e sarcástico do diretor se encaixariam perfeitamente à história de um marinheiro que vai a Madri depois da morte da mãe.

Mesmo que nem todos os seus contos sejam tão bons quanto estes últimos, 24 Letras por Segundo já vale a leitura pela sua proposta criativa. Além dos contos citados, homenagens a outros nomes como Wong Kar-Wai, Roman Polanski, Milos Forman, Steven Spielberg e até Kevin Smith e M. Night Shyamalan também aparecem no livro. O projeto gráfico, feito por um dos autores, Samir Machado de Machado, é outro destaque à parte, trazendo referências na capa e na diagramação às velhas fitas VHS, e ilustrações baseadas nas histórias que compõem a antologia.

24 letras por segundo rodrigo rosp24 Letras por Segundo (2011)

Organização: Rodrigo Rosp

Autores: Antônio Xerxenesky, Bernardo Moraes, Bruno Mattos, Diego Grando, Eric Novello, Juarez Guedes Cruz, Márcio-André, Milton Ribeiro, Monique Revillion, Pena Cabreira, Pedro Gonzaga, Rafael Bán Jacobsen, Reginaldo Pujol Filho, Rodrigo Rosp, Samir Machado de Machado, Silvio Pilau e Victor Paes

Editora: Não Editora

Páginas: 175

Preço: cerca de R$ 30