No decorrer de sua história, o cinema foi visto em vários momentos como poderosa arma de engajamento. Um dia, os cineastas russos já viram o trabalho da montagem como uma estratégia de explicitação da realidade social; os americanos e alemães, por sua vez, utilizaram-no como elemento essencial de propaganda pró-governo na Segunda Guerra. Porém, há algo muito mais envolvente que também viu no cinema uma forma de expressão perspicaz: a fé.

Dessa forma, o cinema também foi, e é ainda, palco de narrativas que trazem discussões (que facilmente ficam acaloradas) e embates (que dificilmente se resolvem) sobre o que o homem acredita e guia suas ações e sentimentos. E é por isso que o Cine Set traz a cabalística lista de 7 filmes para refletir sobre nossas crenças.

Dogma (1999), de Kevin Smith

7. Dogma (1999), de Kevin Smith

A comédia mordaz de Kevin Smith cutuca, como o título indica, vários dos dogmas da Igreja Católica ao contar a história de dois anjos, Bartleby (Ben Affleck) e Loki (Matt Damon), que foram banidos do paraíso e agora encontraram uma forma de retornar para lá, mas que poderá custar toda a existência humana. Com o humor cáustico característico de Smith, o tema delicado e várias blasfêmias, incluindo Alanis Morissette como Deus (bem gente boa, diga-se de passagem), o filme custou ao diretor algumas ameaças de morte, mas também virou uma comédia cult.

Kumaré (2011), de Vikram Gandhi

6. Kumaré (2011), de Vikram Gandhi

O documentário de Vikram Gandhi no qual ele finge ser um guru indiano para um grupo de discípulos começa com certo ar de desdém à questão da espiritualidade; afinal, o ponto de partida do diretor é que as pessoas podem ter boas ações sem necessitar de um Deus que os guarde, puna ou direcione. Porém, o tom do filme muda a partir do momento em que Vikram se envolve na vida de cada um de seus discípulos e como a figura do guru começa a influenciar sua própria personalidade. Trata-se de um documentário questionador que, no fim das contas, mostra-se mais simpático à reflexão espiritual que sua premissa.

Religulous (2008), de Larry Charles

5. Religulous (2008), de Larry Charles

Ao contrario de Kumaré, Religuluos não é indicado para quem, em seu íntimo, possa ter dúvidas quanto a sua fé pessoal. O motivo é que o documentário de Larry Charles estrelado pelo comediante ateu Bill Maher ataca todas as frentes delicadas das religiões: o ar mitológico, os furos nas narrativas de livros sagrados, os rituais aparentemente sem sentido e os conflitos gerados por diferenças religiosas. Usando o humor como arma, Charles e Maher não perdoam nenhuma crença existente na Terra. Um filme tanto imperdível como explosivo. Nem precisamos dizer que não é um documentário para assistir com aquela sua tia evangélica, né?

A Vida de Brian (1979), de Terry Jones

4. A Vida de Brian (1979), de Terry Jones

Outra comédia que foi acusada de ser blasfema, mas que apresenta ideias até simpáticas ao lado positivo da espiritualidade. Por mais que a zoeira corra solta na história do jovem Brian, que passa a ser confundido com um Messias justamente na época de Jesus Cristo, são vários os momentos em que o filme levanta questões importantes. Quando Brian tenta se desguiar de seus “discípulos”, tudo que ele fala faz com que estes acreditem ainda mais nele, criticando aqueles que não refletem sobre sua própria fé; ao mesmo tempo, momentos como a cantoria da épica canção que encerra o filme, “Always Look on the Bright Side of Life”, é, por detrás da bagunça, uma verdadeira lição de como encarar a bênção da existência. “A Vida de Brian” é, sem dúvida, um filme não imperdível, mas obrigatório!

Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders

3. Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders

Um exemplo fantástico de filme que lida seriamente com questões espirituais, mas que não abre mão de ser uma obra cinematográfica realmente artística. Ao contrário dos “Deus Não Está Morto” da vida, “Asas do Desejo” expõe dúvidas e conflitos internos complexos e realistas, ainda que muitos deles sejam expressos a partir da figura do anjo Damiel (Bruno Ganz). O ser celestial vê muito mais beleza na confusão da vida dos filhos de deus, os humanos, e pondera tornar-se um de nós, ao passo que acompanha a vida de uma bela e melancólica artista circense. Com belíssimos roteiro e fotografia, “Asas do Desejo” carrega tamanha beleza em si que é praticamente impossível crentes e descrentes não se sentirem tocados com essa obra-prima do cinema.

Decálogo (1987), de Krzysztof Kieslowski

2. Decálogo (1987), de Krzysztof Kieslowski

Ok, “Decálogo” é uma série, embora ela tenha originado outros filmes mais longos que cada filme-episódio. Mas a obra de Kieslowski entra como um dos mais contundentes tratados sobre os mandamentos cristãos no cinema. Ao trazer as dez leis bíblicas para narrativas contemporâneas, o diretor aproxima e, ao mesmo tempo, dá um tratamento sutil e profundo sobre a adoração de deuses, o adultério, o roubo, a morte, a luxúria, enfim, os temas eternos que circundam a vida humana e que são debatidos na Bíblia. A sacada genial de Kieslowski, no entanto, é não tornar “Decálogo” uma série de público restrito a cristãos, pois a maneira como cada tema é tratado transcende crenças pessoais específicas e vê o que há de mais universal nos mandamentos.

O Martírio de Joana D’Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer

1. O Martírio de Joana D’Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer

Esse é um grande clássico do cinema mundial feito pelo diretor dinamarquês Carl Theodor Dreyer. Baseado nos documentos históricos sobre a mulher condenada à fogueira e posteriormente santificada pela Igreja Católica, o filme de Dreyer é estrelado por uma mulher também fantástica: Maria Falconetti. Seu esplêndido trabalho de atuação casou com as ideias então inovadoras da direção do dinamarquês, que priorizou uma atuação mais realista em pleno cinema mudo, além de centrar em closes do rosto da atriz para dar uma dimensão subjetiva ao martírio que dá nome ao filme. De quebra, “O Martírio de Joana D’Arc” foi, ao lado de “Mônica e o Desejo”, de Ingmar Bergman, talvez o filme mais adorado (num sentido quase religioso!) pelos diretores da Nouvelle Vague que, por sua vez, foram os responsáveis pela popularização da ideia de cinefilia. É pra glorificar de pé!