A “escola” que nos entregou Charlie Kaufman poderia muito bem ser reconhecida como um movimento do cinema. Entre ele, Michel Gondry, Spike Jonze e Sofia Coppola, há toda uma geração do cinema atual dedicada a destrinchar as complexidades dos relacionamentos amorosos e, principalmente, da solidão (e da ‘solidão acompanhado’). Dito isso, não é de se surpreender que o novo trabalho de Kaufman, “Anomalisa”, seja mais um exemplar desse segmento. E, ainda que não seja tão brilhante quanto os antecessores que citei acima, a animação em stop-motion se destaca por ser a mais melancólica dessa “geração”.

“Anomalisa” não é um filme de explicações. Somos apresentados ao personagem principal, Michael, sem muita cerimônia. Em Cincinatti para lançar um livro, ele se vê preso a memórias e divagações sobre a vida e o que faz. Michael não é um personagem extraordinário, apesar de poder se vender como tal – especialista em telemarketing, ele ganhou fama dando dicas sobre a profissão. Sua morna existência ganha cor quando ele embarca em um caso com Lisa, uma fã.

É interessante traçar paralelos com “Encontros e Desencontros”, filme dessa pseudo-escola hipster/solitária dos anos 2000 (não se engane, o filme de Sofia Coppola é um dos meus preferidos da vida). É uma solução fácil também. Digo isso porque, para além da superfície do hotel e do “casal” que se forma por acaso, há uma substância distinta em “Anomalisa”.

Muito disso se deve ao texto diferente de Kaufman. O mesmo homem que em 1999 nos colocou dentro da mente de John Malkovich e em 2004 resolveu inventar uma empresa que apaga memórias de casais agora nos traz uma história mais simples e limpa, cuja maior ousadia é justamente a complexidade dos sentimentos exprimidos.

A escolha de usar apenas três dubladores torna a obra intimista e destaca a aura “salvadora” de Lisa (a ‘Anomalisa’ do título), que Jennifer Jason Leigh vive com uma doçura e uma sinceridade desconcertantes, capazes de transformar a enérgica “Girls Just Wanna Have Fun”, de Cindy Lauper, em um pranto. O próprio uso do stop-motion se revela fundamental à obra, ao passo que Michael realmente parece ser um boneco que não sabe andar direito.

Mais que um produto da cabeça maluca de um roteirista “diferentão”, “Anomalisa” é um daqueles filmes que devem ser digeridos. É uma ode à solidão e aos personagens que não são tão “rotuláveis” quanto deveriam ser, na concepção geral.

Somos todos anomalias, somos todos solitários.