Logo em suas primeiras páginas, ainda na introdução, “As Teorias dos Cineastas” começa com uma fala intrigante: “Um cineasta só merece esse nome a partir do momento em que sabe o que está fazendo”. E quem diz isso não é o teórico Jacques Aumont, o autor do livro, e sim o cineasta francês Claude Chabrol. A obra se debruça então às ideias e conceitos por de trás de filmografias e propostas de diretores diversos, como Dziga Vertov, Alfred Hitchcock, Jean Epstein, Andrei Tarkovski, Marguerite Duras, François Truffaut, dentre outros.

Não por acaso, os diretores escolhidos por Aumont foram também autores de textos (sejam ensaios ou livros inteiros) ou objetos de entrevistas de abordagem mais teórica sobre o cinema. A ideia do autor é expressar, através das mais diferentes visões desses realizadores, como o cinema pressupõe uma teoria que suporte a visão do autor sobre formatos e significações do filme.

Por essas características, “As Teorias dos Cineastas” exige um leitor o mais inteirado possível sobre a filmografia dos cineastas, não se configurando como uma obra para iniciantes. Elitismo? Não. Só se torna um pouco difícil entender, por exemplo, entender de forma mais completa os conceitos de montagem intelectual de Eisenstein, ou a oralidade literária do cinema de Duras, sem ter visto pelo menos um filme desses diretores.

Do desafio ao prazer

Vencido o desafio (que para o cinéfilo é um prazer), a leitura de “As Teorias dos Cineastas” é uma interessante ferramenta conscientizadora não só para cinéfilos, mas também para realizadores. O livro mostra como grandes diretores utilizaram ou mesmo criaram bases teóricas sólidas para a expressão artística como forma de ordenação de seus modos de “dizer com o filme”, ou, como Aumont coloca no título do segundo capítulo do livro, de “escrita da realidade”. Para além dos domínios do conhecimento técnico e para além da livre expressão artística, esses diretores denotam um entendimento de como e o que dizer, criando identidades únicas a suas filmografias.

Se, por um lado, a leitura de “As Teorias dos Cineastas” se mostra um desafio ao leitor iniciante por sua complexidade, por outro lado, o estilo de escrita proposto por Aumont ao dividir os capítulos em subtópicos menores ajuda a manter o ritmo da obra. Dividido em quatro capítulos (“A teoria dos teóricos”, “O visível e a imagem, a realidade e sua escrita”, “Maquinarias e maquinações” e “A arte e a poética”), a obra os subdivide e permite ao leitor, por exemplo, ler trechos de cada capítulo que remetam a um diretor específico. Eisenstein, Tarkovski e Jean-Luc Godard, por exemplo, são alguns dos que mais aparecem no decorrer dos capítulos, ao passo que John Grierson e Alexandre Astruc recebem menos destaque.

O flerte entre cinema e outras artes que Aumont traz a partir dos diretores aos quais se debruça é uma intrigante característica do livro. O hibridismo do cinema ao relacionar-se com a literatura, a pintura, a fotografia e a poesia, para só citar algumas, permeia as obras de todos os diretores selecionados em “A Teoria dos Cineastas”. Isso aponta a cinéfilos e realizadores que leem o livro a necessidade de enriquecer-se de experiências artísticas diversas como mecanismo criativo e estrutural para o cinema que desejam criar ou consumir.

Como você já deve ter percebido nessa altura da leitura, “As Teorias dos Cineastas” difere dos demais livros sobre análise fílmica por não partir das obras em si, mas sim do trabalho conceitual dos diretores. Logo, seu foco é a produção de sentido por parte de um emissor primeiro, e não do público (críticos inclusos) que reinterpreta e reconstrói os filmes a partir de suas visões de mundo. Desmerecimento da prática? Não, apenas uma mudança de ponto de vista sobre o mesmo fenômeno, e que resulta num pequeno e interessante livro.