“All the Beauty and the Bloodshed”, novo filme de Laura Poitras, é um olhar destemido sobre traumas pessoais e a transformação da vida em arte. É também uma investigação sobre a epidemia dos opioides, uma retrospectiva biográfica, entre outras coisas. De fato, o longa consagrado com o Leão de Ouro em Veneza este ano diz tanta coisa que se perde em meio aos seus diversos pontos. 

A produção, cujo lírico título pode ser traduzido como “Toda a Beleza e o Derramamento de Sangue”, se centra na fotógrafa Nan Goldin, célebre por retratos da comunidade queer e vida noturna nova-iorquina da década de 1980. Dividido em seis capítulos, o longa reconta as origens da artista, a conexão com as subculturas que retratou e seu engajamento político. 

Os múltiplos temas abordados aqui podem ser reunidos em duas grandes narrativas. A primeira é uma análise (largamente cronológica) da vida e obra de Goldin. A segunda é a seu ativismo contra a Purdue Pharma, empresa farmacêutica que introduziu e popularizou o opióide Oxycontin, e a família Sackler, dona da empresa e famosa por suas doações filantrópicas aos grandes museus do mundo. 

DUAS PRODUÇÕES EM UMA SÓ 

O calcanhar de Aquiles de “All the Beauty and the Bloodshed” é a ausência de um elo efetivo entre elas. Durante seus 113 minutos de projeção, o longa se mostra dividido entre a confusa justaposição de fatos que é e a potente síntese que quer ser. O resultado é a sensação de estar assistindo a duas produções – metades que entram e saem de cena de modo a diluir o efeito do todo. 

É compreensível a tentação que o material bruto deve ter exercido sobre Poitras. Uma saga de tragédia pessoal, luta feminista, representação de minorias, abuso de drogas e engajamento político, a história de Goldin é um prato cheio para qualquer cineasta e merecia um filme próprio. Porém no afã de incluir o máximo de fatos possível, a diretora sacrifica o foco que teria tornado este longa uma obra-prima. 

Isso só fica mais evidente com a potência do que é incluído aqui. Goldin se apresenta como uma artista determinada e com um profundo senso de justiça. Suas leituras sobre a dependência química e a sexualidade fluida denotam, além de pesquisa, uma vivência profunda de ambos. Seus retratos, ainda que não necessariamente espontâneos, são diretamente inspirados pela sua vida e entorno. Ela incorpora a estabelecida máxima de que “o pessoal é político”. 

OSCAR PRÓXIMO 

Conforme a história pessoal vai se desenrolando, é possível entrever a busca da fotógrafa por um senso de comunidade e a necessidade de guardar momentos e pessoas queridas. Essa necessidade, “All the Beauty and the Bloodshed” explica, advém da morte de sua irmã Barbara – uma pessoa incrivelmente importante nos seus anos formativos e uma presença recorrente no documentário. Com uma narrativa dessas, as intrusões de sua luta contra a Purdue Pharma se tornam anticlimáticas. 

Poitras, que ganhou o Oscar de Melhor Documentário em 2015 por “Citizenfour” e tem boas chances de levar o prêmio de novo ano que vem por este filme, entrega um longa didático, mas cheio de vigor. “All the Beauty and the Bloodshed” pode apresentar Goldin a uma nova geração e isso é muito louvável. Porém, entre a beleza e o derramamento de sangue, faltou um claro senso de direção.