O Predador (1987) é um filme bem básico. Conta a história de um grupo de personagens preso num cenário – no caso, uma selva – sendo perseguidos por um monstro invisível. Como sempre no cinema, o diferencial está nos detalhes: o filme do diretor John McTiernan colocou como heróis um grupo de soldados americanos casca-grossa, liderados pelo que foi talvez o maior macho-alfa do cinema, Arnold Schwarzenegger; e na figura do vilão criou um personagem interessante, com um temperamento igual ao daqueles sujeitos babacas que, de vez em quando, aparecem na mídia por terem caçado e matado um elefante ou um leão.

A crítica não deu muita bola para ele no lançamento, mas o público e o tempo colocaram O Predador em seu devido lugar, como uma sessão-pipoca clássica dos anos 1980, um dos melhores filmes da carreira de Schwarzenegger e um legítimo clássico do gênero ação. Mesmo com o passar do tempo, ele ainda funciona muito bem hoje, justamente por ser simples e básico. Suas continuações, no entanto, tentaram mexer com essa fórmula e obtiveram resultados variados.

O Predador 2: A Caçada Continua (1990) e Predadores (2010) foram razoáveis, cada qual com a sua proposta. Mas não incendiaram as bilheterias nem fizeram com que o Predador atingisse um status e uma influência comparável ao seu colega monstruoso do estúdio 20th Century Fox, o Alien – quanto menos falarmos dos filmes Alien vs. Predador, melhor. E O Predador (2018) de Shane Black – que curiosamente, viveu um dos soldados do original – é um desastre que quase encerrou a carreira do monstro. Quase, porque este novo O Predador: A Caçada, feito quando ninguém dava mais nada pela franquia – tanto que foi lançado direto no streaming e não no cinema, no Brasil pelo Star + – consegue ressuscitá-la voltando ao básico.

DIRETO AO PONTO

E se trata de um retorno mesmo: até o cenário é de floresta, como no primeiro. Mas na visão do diretor Dan Trachtenberg – o mesmo que fez o também muito bom Rua Cloverfield 10 (2016) – esse novo filme não tem gosto de prato requentado. Estamos no século XIX, na vastidão ainda relativamente intocada, e acompanhamos uma tribo Comanche, grandes povos guerreiros nativos da América do Norte. A fotografia do filme é nitidamente inspirada no trabalho de Emmanuel Lubezki, que filmou paisagens semelhantes em filmes como O Novo Mundo (2005) de Terrence Malick ou O Regresso (2015) de Alejandro G. Iñarritu.

Neste cenário, temos a protagonista Naru (vivida por Amber Midthunder), que deseja se provar como guerreira para a tribo, dominada por homens. Ela é inteligente e cheia de recursos, e anda por aí com um parceiro canino – o bichinho rouba merecidamente algumas cenas do filme. Ela é também a primeira a perceber os sinais de uma presença na floresta e não é o leão que seus companheiros querem caçar, mas sim o nosso bom e velho caçador alienígena ou, ao menos, uma versão mais primitiva dele, mas ainda invisível e mortífera. Afinal, este aqui serve como uma prequel para a franquia, com referências orgânicas aos outros filmes que trarão um sorriso aos fãs de longa data.

Há outros motivos para sorrir, também. “O Predador: A Caçada” é um caso de estudo sobre como certas ideias no cinema não precisam de conserto se não estão quebradas. Aqui temos um filme simples e direto, que envolve o espectador graças à forma inteligente como a história é contada e à despretensão da experiência. Este não tenta ser grandioso como o filme de 2018, nem fazer do Predador um “herói” – erro crasso dos longas que ele dividiu com o Alien.

O longa entrega um grupo de personagens em uma história que vai se revelando aos poucos, e que a partir de certo ponto acelera numa perseguição contra um vilão poderoso. E se resolve em 1h39! Numa época em que qualquer filme bobo é esticado por 2h30, 3h, uma produção tão despretensiosa como essa, que sabe exatamente o que é e o que deseja entregar ao espectador, é um alento.

FILME B, DE BOM

“O Predador: A Caçada” também tem algo que faltou nos anteriores da franquia: um herói – heroína, neste caso – à altura do vilão. Na performance intensa de Midthunder, Naru vira uma protagonista para a qual se torce com facilidade. Muita gente perde de vista o subtexto interessante do filme de McTiernan: no começo, ele parece um exemplar do cinema brucutu de sua época, mas aos poucos os machões do filme vão sendo demolidos psicologicamente pela ameaça maior que eles – essa é uma das graças do filme.

Ao final, o herói de Schwarzenegger vence não pela força, mas pela inteligência. Por melhores atores que fossem, faltaram a Danny Glover e Adrien Brody nas sequências esse toque narrativo e o carisma do austríaco, claro. Aqui, a heroína é carismática e inteligente, e expõe sua verdadeira força ao longo da história.

Trachtenberg não conduz muito bem a revelação do Predador no início – poderia ter aí uma surpresa genuína, para um filme que foi produzido quase que totalmente em segredo. Mas de resto seu filme é uma ótima sessão-pipoca, e embora tenha muita computação gráfica, tem também alguns ótimos efeitos práticos – o visual do novo Predador é um trabalho magistral de maquiagem. Acima de tudo, são a economia e precisões narrativas dessa produção que andam fazendo falta em Hollywood. É um filme B, de bom.

E ao voltar ao básico, acaba reinventando a franquia: Bem que o estúdio poderia lançar de vez em quando um filme do Predador caçando em cenários como a Segunda Guerra Mundial, no Japão feudal, na Idade Média… Não gastariam muito e o retorno seria garantido. É só caprichar no herói e no cenário, adicionar umas situações interessantes e pronto: É mais uma prova de que, com inteligência, um bom monstro pode ter vida eterna em Hollywood.