A adolescência é um período turbulento marcado, principalmente, por descobertas. Nesta fase da vida que se questiona muita coisa e a compreensão do seu corpo e do seu querer tornam-se mais pulsantes. Vivemos uma busca por compreensão de si mesmo. (In)certezas e anseios. E o que resta senão encarar esse desafio de viver essa fase de transição?

E os amores. Ah, os amores. Eles chegam como um trem-bala. Uma dose de adrenalina adocicada. Para uns, momento de glória em amar, ser amado, ser desejado, ser popular. Para (tantos) outros um eterno inferno astral por ser sempre preterido e esquecido, invisível. Como se não fossem merecedores de uma paixão juvenil daquelas avassaladoras que achamos ser para toda a vida.

“Heartstopper” nova série sensação da Netflix, baseada nos HQs de mesmo nome desenvolvidas por Alice Oseman, que também assina o roteiro, trata dessa fase da vida muito problemática, pesada, porém, mostrando também como pode ser divertida e sedutora.

Charlie (Joe Locke) é um adolescente de 15 anos, vítima de bullying por ser gay. Ele pensa que namora Ben (Sebastian Croft), este, a personaficação do boy lixo, mas o menino só o humilha e esconde. Nas voltas das férias, a escola resolve fazer uma espécie de mistura de anos e ele senta com Nick Nelson (Kit Connor), um ano a frente, popular, atlético e jogador de rúgbi. O que antes era apenas uma obrigação, torna-se uma bela amizade que se transforma em um romance.

NOTA DO AUTOR: já perceberam que a maioria esmagadora das produções LGBTQIA+ são protagonizadas por atores brancos e padrões? Quem de fato está sendo representado e se sentido representado?

Há os conflitos dos outros amigos de Charlie. Como de Elle (Yasmin Finney) uma menina trans que tem que adaptar à nova escola, o chato e divertido Tao Xau (William Gao), aquele amigo de todas as horas possíveis. E Tara Jones (Corinna Brown) que também enfrenta o preconceito ao assumir um namoro lésbico com Darcy (Kizzy Edgell).

LEVEZA COMO CHAVE DA DIVERSÃO

O diferencial de “Heartstopper” é que ela não se aprofunda nesses temas tão complexos da vida e cotidiano desses adolescentes. O enredo flui naturalmente e os problemas serão resolvidos ou não, ao longo dos oito episódios com pouco menos de 30 minutos de duração. Uma maneira de naturalizar estes acontecimentos. Os grafismos para ilustrar os sentimentos dão um ar mais divertido e despretensioso, naquele turbilhão de sentimentos que sabemos muito bem como são.

Diferente de outras séries voltadas para o público juvenil, como Sex Education, por exemplo, aqui, é tudo muito fácil. Nem os diálogos são pretensiosos. É uma perfeita compreensão de Oseman e produção em entender que essa fase é realmente delicada.

O deleite de “Heartstopper” também reside nesta leveza, em ser divertida, romântica, ainda que toque em temas pesados que possam gerar um ou outro gatilho. Ainda assim, a proposta é não ser um fardo pesado.

INSPIRAÇÃO PARA AS NOVAS E ANTIGAS GERAÇÕES LGBTQIA+

E o elenco é um encanto. Todos realmente são adolescentes interpretando adolescentes. A química salta aos olhos: Joe Locke e Kit Connor juntos são uma fofura, dois opostos no físico e em personalidade que se complementam. Yasmin Finney e Willian Gao formam uma dupla dinâmica que ganhou o coração do autor que vos escreve. E até o intragável do Harry (Cormac Hyde-Corrin) é interessante em assistir. Uma pena que Isaac (Tobie Donovan) foi tão mal aproveitado. Um elenco jovem tão bem entrosado, tão bem dirigido, tão bem defendidos que esquecemos que tem Olivia Colman no elenco interpretando a mãe de Nick. É uma participação singela e importante.

“Heartstopper” não entrega nada de novo. Não há grandes acontecimentos senão a paixão desses adolescentes em viver suas paixões, suas vidas, encarar os medos e desafios. Se reconhecer como um indivíduo de fato com seus traumas (ou a ausência deles) e a certeza que com uma rede de apoio sempre se é mais forte e pronto para encarar qualquer eventualidade.

Cogito que o grande trunfo de “Heartstopper” também está aliado ao fato que, gays que foram adolescentes nos anos 1990, 2000 ou início de 2010, nunca tiveram esse direito de se enxergar de fato com essas angústias tão genuínas da idade. Ter a sua história contada, mesmo que em narrativas diferentes, pode ser inspirador. O coração aquece por essa geração LGBTQIA+ ter diversas histórias para chamar de sua e se enxergar nelas, coisas que nunca tivemos. E aqui não há espaço para tristeza, sem demonização, sem cenas e diálogos fortes. É a beleza da simplicidade de um romance, como deveria ser, de uma fase importante e um capítulo que se inicia de uma forma natural e saborosa.