Mad Men se encerra olhando para o passado, completando o ciclo e o fim de uma era. Na primeira metade da temporada final, exibida em 2014, víamos Don Draper (Jon Hamm) redescobrindo seu lugar na agência Sterling Cooper & Partners e na vida das demais pessoas ao seu redor, em especial da sua esposa distante, Megan (Jessica Paré), e filha Sally (Kiernan Shipka).

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Já esta segunda metade se inicia com a canção “Is There All There Is?” (Isso é tudo que existe?) na voz da cantora inglesa Peggy Lee, e a ouvimos enquanto Don examina uma bela modelo vestindo um casaco de pele. Trata-se apenas de uma seleção de elenco para um comercial, mas ecos dessa canção poderão ser ouvidos por toda a temporada.

Após o fim do seu casamento com Megan, Don logo está de volta aos seus velhos hábitos – recorrendo até a um serviço de secretária eletrônica para organizar as ligações telefônicas das mulheres com quem se relaciona. Porém, ele de certa forma continua vendo fantasmas, como na cena final que encerrou a primeira metade da temporada. Seu apartamento aos poucos se torna cada vez mais vazio. E ele encontra uma garçonete, Diana (Elisabeth Reaser), uma mulher que parece tão perdida quanto ele.

Para Don, Diana representa uma volta ao começo. Morena, ela se parece com algumas das mulheres do passado dele – ela lembra Megan, ao mesmo tempo que remete à artista Midge (Rosemarie DeWitt), com quem ele tinha um caso no começo do seriado, e também à Rachel Menken (Maggie Siff), outro dos seus casos durante a primeira temporada. É Mad Men olhando para seu próprio começo, justamente quando se aproxima do seu final, tal como Don, eternamente condenado a repetir os erros do passado e a procurar, nessas mulheres, o lar que nunca realmente conheceu.

Don inclusive descobre o destino de Rachel, o que não ajuda em nada a diminuir a sua tristeza. Mas esse não é o único “retorno” no tempo que a série realiza nos seus episódios finais. Ao longo do tempo os roteiristas até retomam algumas situações do passado – em dada altura dos episódios a agência passa a correr risco de novo e Don elabora uma estratégia para salvá-la, como aconteceu na terceira temporada. E há vários momentos de reflexão sobre o passado para Megan, para Joan (Christina Hendricks), para Peggy (Elisabeth Olson), e para Don, também, claro – o mais pungente deles sendo a revelação que ele faz a um grupo de veteranos de guerra.

Embora tudo isso deixe claro que, embora o tempo tenha passado – e esses episódios finais se passam em 1970, com a nova década batendo à porta – o espectador passa a se questionar se aquelas pessoas realmente mudaram desde o início. Esse, afinal, é um dos temas mais importantes de Mad Men, assim como também o era para a sua “precursora espiritual”, a série Família Soprano: “As pessoas realmente são capazes de mudar?”. Por todo esse tempo vimos os personagens em conflito, com o mundo e com eles mesmos, em busca de uma resposta para essa pergunta.

No entanto, Matthew Weiner, o criador de Mad Men, demonstra ser um pouco mais otimista do que David Chase, criador de Família Soprano – vale lembrar que Weiner trabalhou por vários anos na série mafiosa da HBO e considera Chase como um dos seus mentores. Ao mesmo tempo em que acontecimentos do passado são revisitados, com até algumas tramas se repetindo, os personagens estão sempre de olho no futuro. Esses episódios finais se caracterizam por uma boa dose de otimismo, embora, claro, temperado pela razão e pela melancolia típica do seriado.

Afinal, vejamos alguns dos pontos principais da temporada: Joan se envolve com Richard (o sempre ótimo Bruce Greenwood), mais um homem capaz de agradá-la e decepcioná-la em igual medida, e não se deixa abater. Roger (John Slattery) acaba se envolvendo com alguém capaz de satisfazê-lo, enfim. E mesmo com escritórios vazios – é o fim de uma era, afinal – Roger e Peggy ainda conseguem celebrar os bons dias da agência e ao mesmo tempo se preparam para o futuro. Até mesmo Don consegue mandar bons conselhos a Sally sobre o futuro de vez em quando, como na oportunidade em que ele diz a ela que, apesar de ser filha dos seus pais, “ela é quem vai decidir se quer ser mais do que isso”.

Esse equilíbrio entre passado e futuro dá aos roteiros desses episódios finais a sua força e o elenco da série se aproveita. Hamm, claro, é o foco e sua interpretação é soberba como sempre, fazendo muito com tão poucos elementos – talvez ele faça parecer simples e fácil demais, o que pode explicar a falta de prêmios na sua estante pelo papel de Don Draper. Porém, embora nesse final todos tenham a chance de brilhar, dois intérpretes se destacam com momentos emocionais poderosos nos últimos episódios: Vincent Kartheiser tem a chance de, enfim, retratar o amadurecimento de Pete Campbell, e January Jones tem alguns dos melhores momentos da sua carreira ao retornar ao papel de Betty. A economia e a precisão do seu desempenho no arco final da personagem são prova do talento da atriz.

Se Pete e Betty conseguiram evoluir e olhar para frente, isso demonstra como o final de Mad Men tem um viés positivo, de maneira geral. Já para Don, essa mudança tem um tom mais ambíguo. A série usava o gancho da publicidade como forma de comentar sobre a sociedade e os seus personagens, que vendiam a ficção dos seus anúncios e começavam a ver a própria irrealidade das suas vidas. Ninguém simbolizou isso melhor que Don. Nos episódios finais ele põe o Pé na Estrada – o clássico livro de Jack Kerouac é até citado – em busca da sua própria identidade, por assim dizer. O trabalho na nova agência é padronizado – até os corredores dela são um pouco sombrios – e o vazio da sua vida e dos seus relacionamentos passa a ser grande demais para o publicitário que sempre teve um ar de rebelde. E seu isolamento é necessário para o processo de autodescoberta visto ao final.

Parece impossível para um homem como Don Draper alcançar a paz. Porém, Weiner é mais otimista e deixa seu protagonista numa posição ao menos ambígua ao final. Enquanto Família Soprano terminava com um corte abrupto para uma tela preta, Mad Men termina com a luz do sol, um sorriso e um anúncio publicitário, e esse momento pode ou não ser visto como cínico. Afinal, o criador de Mad Men e seus roteiristas deixam aqueles personagens, os quais despertaram a nossa afeição por tantos anos, no fim de um ciclo. Como na vida, outros ciclos virão. E ninguém sabe disso melhor que Don Draper, o homem capaz de se reinventar tantas vezes quanto forem possíveis. Mas por ora, aquele sorriso num belo dia de sol é o bastante, e percebemos que Weiner deixa seus personagens num bom lugar. Sabemos que eles poderão superar o que virá – afinal, eles sobreviveram à década de 1960.