A diretora Dheik Praia iniciou a sessão de apresentação do seu curta Pranto Lunar dando espaço a outro artista, o músico Pereira, que cantou algumas canções antes da exibição do filme. Foi um gesto de generosidade, acima de tudo, e apropriado: afinal, o curta de Praia é inspirado por uma das músicas do artista. Trata-se de um trabalho de belas imagens e que transmite uma forte autenticidade ao retratar a condição indígena – o filme foi rodado na Aldeia Cipia e em comunidades e bairros de Manaus. Mas ainda assim, a experiência ao final deixa a impressão de que alguma coisa ficou faltando.

O filme se inicia com cenas de um ritual e opõe o mundo indígena ao urbano, fazendo um corte imediato da cena na aldeia para a dureza do telhado de zinco recebendo a chuva manauara em alguma habitação na cidade. O curta passa então a se concentrar numa senhora idosa e suas lembranças da época em que era menina, quando sua aldeia foi invadida por traficantes que massacraram seus familiares numa noite de lua cheia.

É admirável a disposição da diretora em confiar nas imagens. Os diálogos são poucos e, numa decisão que demonstra força, Praia optou por não legendar as cenas nas quais os personagens falam na língua indígena. A impossibilidade de compreender o que as pessoas dizem em alguns momentos acaba não se constituindo num problema (geralmente, embora haja pelo menos um momento estranho, referido mais à frente), porque a história do curta é contada pelas imagens e pelos rostos – a câmera faz bom uso da expressividade dos atores do filme.

Ou seja, Dheik Praia faz de Pranto Lunar uma obra eminentemente visual. O que ainda falta, pelo menos nesse trabalho, é cuidado narrativo – e o curta é sim, narrativo, e conta uma história. Mas o faz de maneira desconexa: logo no início vemos a menina descobrir um objeto semelhante a uma grande flauta. O filme, mais à frente, não explicará qual a importância dessa cena para o massacre futuro ou para a tristeza que parece dominar a velha senhora no futuro. Há ainda uma cena com um noticiário na TV na qual a senhora assiste a um entrevistador fazer uma pergunta a um indígena em português e este responde na sua língua, e o filme passa algum tempo mostrando essa conversa televisiva estranha sem que fique clara a sua importância.  E a cena final deseja despertar uma emoção que o curta não trabalhou para criar no espectador. É uma cena de perdão? De reconciliação? E quem é a mulher com quem a velha senhora se encontra?

O filme termina dando a impressão de que algumas cenas ficaram de fora da montagem, dando-lhe um ar de incompleto. As imagens são belas e evocativas da emoção da música de Pereira. Aliás, a canção que inspirou o curta é ouvida durante os créditos finais. Mas se a intenção era, além de evocar a sensação que a música causa, retratar um problema real das comunidades indígenas – leia-se, o relacionamento delas com o mundo branco, capitalista e “civilizado” – e emocionar o público contando a história de uma personagem específica, então o trabalho é apenas parcialmente bem sucedido.

Nem todos os curtas se propõem a contar uma história. Aliás, trata-se de um tipo de produto audiovisual notoriamente voltado para a experimentação e pouco preocupado com convenções narrativas. Mas se o artista se dispõe a fazer um curta com uma narrativa, então “contar bem a história” deveria ser uma das suas principais preocupações, se não a maior delas.