Aos 12 anos, você geralmente é atraído para o mundo do cinema para assistir os chamados “blockbusters”, sem preocupar-se com as qualidades conceituais do trabalho e sim na diversão que ele proporciona. Logo, De Volta para o FuturoBatman (no caso, o de Tim Burton), 007, Indiana Jones, entre tantos outros, eram filmes que um garoto esperava com ansiedade para ver na tela grande. Como qualquer ritual de passagem da fase infantil para a adulta, a minha no mundo cinéfilo aconteceu em dezembro de 1992, precisamente no Natal.

Neste dia, aconteceu a estreia nacional nos cinemas de “Drácula de Bram Stoker”, no extinto Cine Chaplin localizado na Rua Joaquim Nabuco. O responsável por este “presente” foi o senhor Francis Ford Coppola, que já tinha no currículo filmes respeitáveis que fazem parte do imaginário cinéfilo: a trilogia do Poderoso Chefão e Apocalipse Now, ambos, na época, totalmente desconhecidos por este garoto. Apesar de ser Natal, o filme “presente” não era sobre um velhinho bondoso chamado Noel e sim a história de um ser sobrenatural, de dentes pontiagudos, sugador de sangue e imortal na sua essência, conhecido como Conde Drácula.

Lembro-me de ter saído da sessão aturdido pelo excesso de cores e imagens que o filme proporcionou, o que para um garoto despreparado (e não acostumado com este tipo de cinema) gerava uma sensação contraditória, uma mistura de empolgação e ao mesmo tempo de estranhamento. Quase 23 anos depois, a rede de cinemas Cinemark escolhe o mesmo filme para abrir a nova temporada de filmes clássicos no final do mês de agosto.

Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford CoppolaVê-lo após todo este tempo é perceber o quanto ele envelheceu como um bom vinho, sobrevivendo às duas últimas décadas como um ser imortal, sendo um interessante legado de amor à sétima arte, mesmo que este não fosse o interesse principal de Coppola. Ele já concedeu algumas entrevistas alegando que dirigiu o filme apenas pelo aspecto financeiro, pois precisava de dinheiro para pagar as dívidas herdadas da sua produtora Zoetrope, depois do fracasso comercial do seu filme “No Fundo do Coração”, de 1981. Em razão desta situação, aceitou fazer a terceira parte do Poderoso Chefão – na qual se recusou em dirigir nas décadas de 70 e 80 apesar da pressão do Estúdio – juntamente com Drácula (inicialmente o roteiro de James V. Hart seria adaptado para televisão) como forma de ganhar bons trocados.

De forma consciente ou inconsciente, o que se vê na tela por parte do seu diretor é um espetáculo visual exuberante, onde a magia do mito do vampirismo nada mais é do que uma ópera romântica, na verdade um dos mais belos contos góticos de amor que o cinema já produziu sobre um personagem. Ainda que seja bastante fiel à linha narrativa da novela de Bram Stoker, Coppola é um autor e sabe que cinema e literatura, apesar de caminharem juntos, possuem suas particularidades e diferenças. Por isso “Drácula” é uma releitura ou reimaginação do romance de Stoker.

Consegue transformar a narrativa do livro (em formato de cartas e diários) dentro de uma linguagem cinematográfica dinâmica, que permite a fluidez do enredo sem perder o charme do relato do romance original. Mas o grande trunfo do filme não é a fidelidade ao livro e sim as liberdades artísticas feitas por Coppola e Hart. Seguem 5 pontos a serem apreciados no filme:

1. O anti-herói e o seu ator: Diferente da criatura das trevas do romance de Stoker, o Drácula de Coppola é demasiadamente humano, um herói trágico no melhor estilo “shakespeariano”. Um personagem que não é essencialmente o mal encarnado como acontece no livro. O lindo prólogo que abre o filme, encenado de forma brilhante por Coppola – e que não existe no livro –, deixa claro a essência do personagem: um ser passional e impulsivo. Tanto que, para o cineasta, apenas Drácula e sua relação com Mina é que importam, os demais personagens são apenas alegorias dentro da história. É claro que nada disso funcionaria sem a atuação excepcional de Gary Oldman (a sua maior performance no cinema) que capta as emoções humanas com tenacidade;

Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola2. O amor que move as ações dos personagens: Uma das grandes virtudes deste trabalho não é apenas manter o clima de horror do livro de Stoker, e sim transformá-lo em um romance gótico, sob a forma de um pesadelo onírico onde amor e sexualidade estão presentes em cada frame. É o amor do Conde por Mina que o leva a renunciar a Deus, é o amor de perder Drácula que leva Elizabeth a se suicidar (e mais tarde na pessoa de Mina é este sentimento que a leva aceitar a imortalidade), é o amor de Renfield pelo mestre que o leva à loucura, é o amor pelo sexo que corrompe a vitalidade de Lucy. Se, nos filmes de vampiro, a luta entre o bem e mal é o mote principal, para Coppola o amor é a essência da vida, o representativo tanto dela quanto da morte. A renúncia deste sentimento coloca os personagens no limiar da loucura;

3. Um filme que exala sexualidade: A sexualidade representa animalidade nas ações humanas dos personagens, do Conde ao seu rival Van Helsing. Coppola traduz com fidelidade que o princípio do prazer é a mola propulsora do seu filme. Não deixa de ser um registro cinematográfico cheio de sensualidade, onde dor e prazer se misturam em um turbilhão de sentimentos;

4. O visual arrebatador: São poucos filmes que conseguem alinhar com precisão cirúrgica direção de arte, fotografia, figurino e montagem. É um cinema cheio de truques e trucagens que ilustram o talento do filho de Coppola, Roman, responsável em criar sequências memoráveis em cada fotograma. Reproduz tanto um cinema bruto em seus primórdios como elegante e clássico. A trilha sonora de Wojciech Kilar oferece um tom sombrio, perpetuando um estado de agonia e sufocamento à situação;

5. As cenas marcantes e os símbolos: Drácula é repleto de cenas memoráveis, destacando-se a forma como Coppola as elabora sempre associando um segmento com o outro que acontece paralelamente e alguns com símbolos que representam a vida e morte – o casamento de Mina e Jonathan celebrando a vida ao mesmo tempo em que presenciamos a morte de uma personagem. O simbolismo das cores é outra boa sacada na concepção visual do filme: o vermelho carregado de ambivalência representa tanto a vida e morte, enquanto o verde do figurino de Mina reflete a esperança e pureza.

É claro que, mesmo exuberante, “Drácula de Bram Stoker” tem seus problemas: o Harker de Keanu Reeves é insosso e longe da personalidade forte e racional do personagem no livro. Para completar, Coppola não consegue manter o ritmo inicial dinâmico principalmente no ato final, o que gera certa irregularidade na narrativa.

Fora isso, é, sem dúvida, dentro da filmografia do diretor um dos seus filmes mais complexos e passionais, repleto de grandiloquência e intensidade. Consegue sintetizar simbolicamente o vampiro na sua natureza primitiva e instintiva. No fundo, “Drácula” pode ser até visto como um filme comercial como seu próprio realizador já assumiu, mas é ousado por reinventar o conto de Stoker, ensaiando uma das mais lindas e dolorosas histórias de amor. Coppola reverencia a história e a tecnologia, realizando um verdadeiro tributo ao pioneirismo do cinema. Mostra que o amor pela sétima arte pode ser tão imortal quanto o seu fascinante protagonista.

por Danilo Areosa