Passar do simples ato de assistir filmes a tentar estudá-los e analisá-los pode ser divertido e instigante, mas não tem como negar que há uma dose de trabalho envolvida. Ler sobre a história do cinema, técnicas, teorias e princípios de linguagem cinematográfica é necessário, e cada parágrafo a mais expande a mente do cinéfilo, traz um novo olhar sobre filmes e, inevitavelmente, leva a novas leituras. O resultado é que, às vezes, críticos e pesquisadores se empolgam tanto com sua “bagagem de conhecimentos” que esquecem que nem todo mundo está familiarizado com termos mais técnicos ou até obscuros da linguagem cinematográfica.

Por isso, o Cine Set preparou hoje um breve glossário básico de alguns desses termos, de A a Z, entre conceitos técnicos, curiosidades e movimentos cinematográficos, para que todos os “não-iniciados” (não é uma seita, a gente jura) possam também dar seu pontapé inicial e mergulhar no mundo da cinefilia. Claro que um post como esse não é capaz de dar conta de tudo, mas quem sabe não te dá aquela vontade de procurar mais coisa? Confira:

ÂNGULOS DE CÂMERA: Basicamente, os planos podem ser classificados quanto ao ângulo vertical e quanto ao ângulo horizontal da câmera. Em relação ao ângulo vertical, algumas posições básicas são o plongée, ou ângulo alto, quando a câmera está posicionada de cima para baixo, e o contra-plongée, ou ângulo baixo, quando vemos a cena abaixo do nível do olhar do personagem ou do objeto, ou seja, de baixo para cima. Algumas classificações ainda mencionam o plongée absoluto (ou zenital), quando a câmera está exatamente no alto (como um “olhar de Deus”) e seu reverso, o contra-plongée absoluto (ou contra-zenital), quando a câmera aponta diretamente para cima.

Já quanto ao ângulo horizontal, podemos citar como mais comuns o frontal, quando a câmera filma o personagem/objeto de frente, o lateral ou de perfil, o traseiro ou de nuca, e os planos de ¾ e ¼, que posicionam a câmera em ângulos intermediários entre o frontal e o lateral e entre o lateral e o traseiro, respectivamente.

BLAXPLOITATION: Trata-se de um subgênero de cinema norte-americano da década de 1970, voltado especificamente para o público negro, com filmes protagonizados por afro-americanos em histórias policiais, de artes marciais ou até mesmo comédia e horror. Funk e soul também marcavam presença como trilha sonora, e o subgênero já suscitou discussões se significaria um momento de empoderamento negro ou simplesmente uma reafirmação de estereótipos. Alguns títulos essenciais da época são Shaft (1971), Foxy Brown (1974) e Blacula (1972). Diretores como Quentin Tarantino já prestaram homenagem ao gênero mais de uma vez, em longas como Jackie Brown (1997) e Django Livre (2012).

CAMPO, CONTRACAMPO E FORA DE CAMPO: Seja na tela do cinema ou da TV, a realidade do filme está limitada à superfície da tela, como se víssemos apenas um fragmento de um universo maior. O campo é justamente essa porção de espaço que vimos na imagem fílmica, ou seja, aquilo que a câmera vê. Daí podemos falar também em contracampo, quando há uma alternância entre um ponto de vista e outro da câmera (como na cena de um diálogo entre duas pessoas, por exemplo), e em fora de campo, que são os elementos não vistos no quadro, mas que nosso imaginário reconhece como parte do campo. Quando um personagem entra ou sai do quadro, por exemplo, ele está vindo ou voltando do espaço fora de campo.

DEUS EX MACHINA: Sabe quando as águias convenientemente resgatam Frodo e Sam da Montanha da Perdição em O Senhor dos Anéis? Ou a água que mata ETs em Sinais? Deus ex machina é um termo em latim para quando um problema aparentemente insolúvel é resolvido de repente, por uma intervenção inesperada e conveniente até demais.

ELIPSE: É a supressão de um intervalo de tempo ou de espaço, que fica subentendido, permitindo assim que a narrativa “salte” de uma cena para outra. Stanley Kubrick, por exemplo, dá um salto de milênios quando corta de um osso na pré-história para uma nave espacial em 2001: Uma Odisseia no Espaço.

FADE: Um dos tipos de transição mais comuns em filmes entre uma cena e outra. O fade in acontece quando a imagem surge a partir de uma tela escura ou clara e gradualmente atinge sua intensidade normal de luz, e o fade out é o processo reverso, quando a imagem escurece ou clareia gradualmente.

GORE: Sangue, sangue, mais sangue e muitas vísceras por toda parte. No cinema de terror, filmes gore (ou splatter), são aqueles que investem em representações de violência gráfica sem medo e sem pudor – seja a menina comendo o próprio olho em Splatter: Naked Blood (1996), os rostos rasgados de Fome Animal (1992) ou o canibalismo de Holocausto Canibal (1980).

HALO DESFOCADO: Termo técnico que se refere à ação de focar um objeto ou personagem em especial na cena e deixar todo o resto fora de foco.

IMPLANT: É uma técnica de roteiro comum do cinema norte-americano. Acontece quando se estabelece algo (seja um personagem, detalhe, fato, etc) que, a princípio, não parece importante à trama, mas será de grande utilidade em um ponto mais à frente da história – numa referência mais pop, pense em Dumbledore falando que as lágrimas de fênix têm poderes de cura em Harry Potter e a Câmara Secreta (2002), por exemplo, e essa informação desempenhando um papel importante no final.

JUMP CUT: É um tipo de corte abrupto, em uma sequência que faz parecer que o personagem ou objeto simplesmente pulo de um lugar para outro, sem continuidade. É também um tipo de manipulação de tempo e espaço. Agora para um exemplo cult: Acossado (1960), de Jean-Luc Godard, um dos responsáveis por popularizar a técnica. Esse vídeo compilou alguns desses momentos, que mostram o dinamismo que o filme de Godard ganha.

KULESHOV: O Efeito Kuleshov é resultado dos experimentos fílmicos do soviético Lev Kuleshov, nas décadas de 1910 e 1920. Por meio de edição, um rosto sem expressão é intercalado a outras imagens, que resultam num fenômeno mental em que o espectador atribui significado à sequência por meio da interação entre um plano e outro seguidos.

LONG SHOT: Também chamado de plano geral, full shot ou wide shot, o long shot é um plano em que o personagem ou objeto central é filmado integralmente, explorando todo o contexto ao redor.

MISE-EN-SCÈNE: Divergências à parte, é um conceito importante para a direção de um filme, que define basicamente tudo o que vemos na cena. Nas palavras do estudioso David Bordwell, é “montar a ação no palco”, ou seja, articular desde cenário, iluminação, figurino e maquiagem até a atuação e o jogo corporal dos atores dentro do quadro, de forma que cada plano atinja o significado e a emoção que o diretor propõe para a cena.

NOITE AMERICANA: Técnica de filmagem que consiste em filmar uma cena noturna durante o dia, recriando a atmosfera da noite através de métodos de subexposição da imagem ou ajuste de balanço de branco para lâmpadas incandescentes ou tungstênio. Assista A Noite Americana (1973), de François Truffaut, e você vai ter uma ideia do que estamos falando.

OFF: A voz em off é a voz que parece vir do nada, já que não está na imagem, e que escutamos narrando o filme ou até mesmo fazendo comentários sobre ele, como faz o protagonista de Trainspotting (1996). Já em um exemplo recente, quem assistiu Mogli (2016) deve lembrar de Baguera narrando a história do “menino-lobo”.

PLANO: De todos os termos que listamos aqui, é provavelmente o conceito mais básico – e também um dos mais escorregadios. Fundamentalmente, o plano é o trecho de filme entre um corte e outro, que foi rodado sem interrupção ou que parece ter sido rodado sem interrupção. Ou seja, é um conjunto de imagens que possuem um enquadramento e uma duração. É a unidade básica do filme: assim como letras compõem palavras e a partir delas temos frases e períodos inteiros, é a partir dos planos que se compõem cenas e sequências inteiras.

QUICK MOTION: Também chamado de fast motion, é o contrário da câmera lenta: a ação na tela parece acontecer muito mais rápido do que o normal – como Alex DeLarge fazendo sexo com duas garotas em Laranja Mecânica (1971) ou todas as cenas dessa compilação aqui. Geralmente, o resultado é atingido por meio de filmagem em uma velocidade mais lenta na câmera e projeção na velocidade normal.

REGRA DOS 180 GRAUS: É um conceito básico que ajuda a garantir a coerência visual de um filme, ao manter a posição relativa dos elementos em cena. Segundo essa regra, há um eixo imaginário de 180° que divide a cena, e as câmeras devem permanecer do mesmo lado desse eixo, garantindo que haja continuidade da linha de olhar do espectador e não o confunda. Às vezes, porém, a câmera pode ultrapassar o eixo, realizando a quebra de eixo para fins dramáticos, como para revelar algo que não estava visível na cena, por exemplo.

SOM DIRETO: É uma técnica de captação de som em que o áudio é gravado simultaneamente com a imagem, o que exige cuidados maiores, dependendo da proposta de som do filme.

TRAVELLING: É basicamente o nome que se dá ao movimento que a câmera faz quando ela “viaja”, ou seja, se desloca no espaço em qualquer direção. Na maioria das vezes, o travelling é feito com o auxílio de uma grua, um carrinho sobre trilhos ou um dolly, um carrinho sobre pneus que se desloca em qualquer direção. Assim, o deslocamento da câmera é suave.

UNDERGROUND: Mais do que um movimento ou escola cinematográfica específica, o cinema underground é um termo amplo que se refere a filmes alternativos que fogem dos padrões comerciais, seja em relação ao estilo, ao gênero ou ao financiamento. Filmes de gente como Andy Warhol e Jim Jarmusch podem ser considerados underground, assim como de nomes do cinema marginal brasileiro, como Rogério Sganzerla ou Julio Bressane.

VOICE OVER: Outro termo para designer a voz/narração em off.

WESTERN: Conhecido no bom e velho português também como faroeste, é um gênero de filmes que geralmente se passam no período de colonização do oeste dos Estados Unidos, na última metade do século XIX, com direito a muitos caubóis, xerifes, duelos de armas, índios nativos e caçadores de recompensa. Embora o marco inaugural seja considerado O Grande Roubo do Trem (1903), de Edwin S. Porter, muitos dos filmes do gênero se popularizam por volta das décadas de 1930 a 1950, com nomes como John Ford, Anthony Mann e Howard Hawks.

X-RATED: Na classificação indicativa Americana, esse é aquele filme proibidão que apenas maiores de idade podem assistir – não necessariamente pornô, vale apontar.

YAWNER: Uma nova gíria pra quando você quiser qualificar aquele filme chatão – tipo Batman vs Superman (cof cof)…

ZOLLY SHOT: Também conhecida como dolly zoom, é uma técnica de filmagem em que a câmera é afastada ou aproximada de um objeto através de um carrinho dolly ao mesmo tempo em que o zoom da lente é “puxado” para a direção oposta. O efeito resultante é que o personagem ou objeto em foco no plano continua do mesmo tamanho, enquanto o fundo ao redor se comprime ou se dilata, dependendo da direção – em resumo, temos a ilusão de que o personagem está sendo puxado para a câmera enquanto o background é afastado, ou vice-versa. Quer exemplos? Esse vídeo aqui tem um montão.