Antes da explosão recente dos blockbusters baseados em super-heróis dos quadrinhos, Superman, na encarnação de Christopher Reeve, e Batman, na visão sombria de Tim Burton, reinaram absolutos durante anos. Ambos são os maiores personagens da editora DC Comics. Então, há treze anos veio a Marvel Comics com seus personagens mais humanos, dando inicio a essa nova onda com X-Men e Homem-Aranha. A mesma Marvel, transformada em produtora de cinema, posteriormente deu sua cartada de mestre apresentando seus personagens em filmes individuais e depois reunindo-os na divertida extravagância que foi Os Vingadores (2012).

A Warner Bros., companhia cinematográfica detentora dos direitos dos personagens da DC, basicamente passou este período de ascensão da Marvel no cinema apoiando-se apenas no personagem Batman e na incrível trilogia que o cineasta Christopher Nolan produziu sobre o herói. Agora, o estúdio parece ter decidido recuperar o tempo perdido, trazendo de volta o Superman, agora reformulado e mais ao gosto do público moderno. O resultado é este O Homem de Aço, que acaba sendo menos um filme e mais um produto destinado a ofuscar os lançamentos da Marvel. A pretensão de contar uma boa história com um personagem icônico se perde em meio à obsessão de um estúdio em fornecer aquilo que ele imagina que as audiências querem ver.

Curiosamente, os nomes por trás do projeto O Homem de Aço são basicamente os mesmos responsáveis pela trilogia do Batman: David S. Goyer no roteiro e Nolan como produtor. A direção do filme ficou a cargo de Zack Snyder, responsável, dentro da Warner, pelo sucesso 300 (2006) e o candidato a cult Watchmen: O Filme (2009). E é notável como essa equipe usou o primeiro longa da trilogia do morcego, Batman Begins (2005), como modelo para O Homem de Aço. É basicamente o mesmo filme, só adaptado para o contexto mais fantasioso do Superman, o mais antigo dos super-heróis (ele foi criado em 1938).

O filme começa no planeta Krypton, um mundo à beira da destruição. O cientista Jor-El (Russell Crowe), ciente do iminente fim do seu mundo, envia seu filho recém-nascido Kal-El para a Terra numa nave espacial. Logo após, Jor-El é morto pelo seu inimigo, o General Zod (Michael Shannon), que tentava dar um golpe militar no planeta. Devido ao seu ato, Zod e seus asseclas são condenados à prisão kryptoniana conhecida como “Zona Fantasma”. No entanto, eles não ficam aprisionados muito tempo, pois a destruição de Krypton acaba libertando-os.

Logo após, o filme corta para a Terra, onde Kal-El, já adulto, assumiu a identidade de Clark Kent (Henry Cavill) após ter sido adotado por um casal humano (vivido por Kevin Costner e Diane Lane). Vagando pelo mundo à procura de respostas, o vemos salvando um grupo de pessoas de um desastre a bordo de uma plataforma de petróleo. Então flashbacks nos mostram sua infância na cidadezinha de Smallville, os conselhos valiosos de seu pai, seus feitos incríveis…

Já deu para notar que esta primeira hora de O Homem de Aço é estruturada basicamente como a primeira hora de Batman Begins. No entanto, aqui essa estrutura fragmentada, com flashbacks indo e vindo, mantém o protagonista do filme afastado do público – ao contrário do que ocorria em Batman, onde os flashbacks ajudam a caracterizar psicologicamente o personagem de Bruce Wayne. Como resultado, nunca realmente nos aproximamos de Clark/Kal-El. Quando a repórter Lois Lane (Amy Adams) surge numa geleira do Canadá e começa a explorar a nave kryptoniana, Clark simplesmente já está lá e só depois descobrimos o porquê. Zack Snyder não tem paciência para recontar a origem do herói e ao invés disso, cria um mistério em torno dele. Mas isso não ajuda a deixá-lo mais profundo ou interessante, só nos mantém à distancia do protagonista do filme.

E Goyer, por sua vez, sempre demonstrou ser um roteirista limitado sem a ajuda de uma reescrita por parte de Christopher Nolan ou do seu irmão Jonathan. Os lugares-comuns do roteiro desperdiçam os grandes atores que o filme tem – Kevin Costner até consegue fazer suas cenas funcionarem e injetar um pouco de emoção nas suas interações com o jovem Clark, mas suas lições são clichês e o roteiro ainda cria uma saída absolutamente ridícula para seu personagem.

Além disso, o paralelo entre Clark e Jesus Cristo, algo recorrente nos filmes do Superman desde o primeiro dirigido por Richard Donner em 1978, aqui é muito escancarado: afinal, o herói veio à Terra para servir de inspiração para a humanidade, tem 33 anos quando se revela ao mundo, e chega a ser enquadrado ao lado de uma imagem de Cristo num vitral de igreja e numa pose de crucificação ao retornar à Terra. Assim, não deixa de ser uma pena quando esse “Jesus alienígena”, que deveria inspirar o mundo todo, se declara americano numa cena próxima ao final…

Mas obviamente, a proposta não era a de fazer um estudo de personagem. A proposta era de embasbacar o público com “super” cenas de ação. E a ação começa quando Zod localiza a Terra e dá um ultimato ao planeta: Kal-El deve se apresentar como prisioneiro, ou nosso mundo sofrerá as consequências. A partir daí, o filme até se torna um pouco empolgante, mas é uma empolgação vazia: como o público não teve a oportunidade de conhecer o herói direito devido à estrutura fragmentada do inicio, ele não se importa com o que acontece depois. Os efeitos em computação gráfica conseguem nos mostrar a destruição de Smallville e de Metrópolis graças à batalha entre os superseres – algumas cenas remontam diretamente ao Onze de Setembro e demonstram como essa ferida ainda não cicatrizou na psique americana. Mas apesar dos efeitos, a sensação é de tédio: os espectadores de cinema já viram essas cenas nos três Transformers e em Os Vingadores, e mesmo a luta entre Zod e Superman é remanescente do final de Matrix Revolutions (2003).

O elenco é a melhor qualidade do filme e segura a barra de alguns momentos. É um prazer rever Diane Lane, embora o filme tenha dado uma envelhecida nela. Michael Shannon é um vilão sólido (aliás, seu personagem é mais bem caracterizado que o próprio Superman) e o ator é intenso como sempre. E Henry Cavill comprova seu talento ao viver sem esforço esse personagem tão icônico. Com um roteiro mais focado e um diretor com mais paciência para contar a história – Snyder é todo visual e não sabe aliar suas capacidades com o drama, como Nolan – ele poderia se tornar um grande Superman.

No entanto, o filme parece ter deixado o estúdio feliz, e continuações estreladas por Cavill com certeza virão. O Homem de Aço abre caminho para uma nova franquia e coisas melhores podem vir dele, mas isoladamente não passa de um exercício vazio de clichês do cinema fantástico e dos filmes-catástrofe. Ele alcança o objetivo que Superman: O Retorno (2006) não conseguiu – aquela tentativa de reviver o personagem era saudosista demais e tinha pouca ação na opinião do publico, e realmente era um filme bastante falho. Agora a Warner Bros. entrega a esse mesmo público o que faltou em O Retorno. A pergunta é: ficamos felizes com esse novo herói, causador de destruição e desprovido de carisma? Ou ele é, parafraseando o comissário Gordon no final de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), “o herói que merecemos”? Tentar responder a esta pergunta não deixa o espectador feliz com o estado atual dos blockbusters.

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Confira também nosso videocast sobre “O Homem de Aço”.