Mais do que uma história universal sobre o processo de luto, Manchester À Beira-Mar busca ressignificar a abordagem que o cinema contemporâneo norte-americano usa para retratar o sofrimento humano, principalmente no que diz respeito à intensa e inesperada perda de um ente querido. Dirigido e roteirizado por Kenneth Lonergan, o longa se distancia de atuações catárticas e estabelece um complexo mosaico afetivo entre seus personagens.

A trama nos apresenta Lee Chandler (Casey Affleck), um sujeito aparentemente inexpressivo, de poucas palavras, que trabalha como zelador em prédios de Boston e se mostra totalmente alheio às convenções sociais esperadas dele. Um dia, recebe a notícia de que seu irmão Joe (Kyle Chandler) faleceu e deixou a guarda de seu filho Patrick (Lucas Hedges) para ele. Ao retornar à sua cidade natal (a Manchester do título), Lee passa a lidar com a logística burocrática do funeral e os conflitos com seu sobrinho adolescente, enquanto confronta os traumas do seu passado que o fizeram ir embora daquele lugar anos antes.

A partir da chegada de Lee à Manchester, a direção de fotografia de Jody Lee Lipes e a montagem de Jennifer Lame se mostram extremamente eficientes ao dividir o filme em duas linhas do tempo distintas. Sem utilizar artifícios óbvios ou desnecessariamente explicativos, eles são cuidadosos e sutis no contraste entre passado e presente, sem se render ao caminho mais fácil.

Manchester by the Sea

É interessante observar os efeitos que os flashbacks têm no protagonista, como se ele estivesse não só revivendo, mas ainda vivendo, os acontecimentos do passado em uma tortura constante, sem conseguir diferenciar a passagem dos anos desde o episódio que mudou sua vida, como se fosse permanecer congelado junto à tragédia para sempre.

Curiosamente, quanto mais detalhes da vida de Lee são apresentados, mais contido e enigmático ele se torna diante do espectador, que inevitavelmente se pergunta o que pode ter acontecido de tão grave para transformá-lo naquilo que vemos. Característica esta que é fruto também do belíssimo trabalho de atuação de Casey Affleck, que retrata Lee como dono de uma dor tão profunda que já não encontra meios físicos de expressá-la, se entregando apenas em pequenos detalhes. E embora o espectador receba pistas do que aconteceu e esteja ciente de que está prestes a descobrir o que o assombra, a revelação não deixa de ser devastadora.

Isso fica claro na cena em que vemos Lee voltar ao seu apartamento em Boston para fazer sua mudança de volta à Manchester. Do quarto praticamente sem móveis e objetos pessoais onde ele mora, as únicas coisas que Lee embala para levar consigo são três portas retratos. As fotos em cada um deles não estão visíveis aos olhos do espectador, mas sabemos se tratar de algo valioso que ele um dia teve, o que é notório pela maneira cuidadosa com que ele toca e embrulha estes pertences.

Por tudo que nos é apresentado, compreendemos a total incapacidade deste homem, na cena mais intensa do filme, de verbalizar sua dor perante a mulher que ama e com quem construiu e perdeu tudo. Uma cena em que o não-dito fala muito mais do que as poucas palavras usadas e o silêncio traz à tona um sentimento de angústia insuportável, assim como em muitas outras durante o filme.

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Neste ponto, não há como não falar da performance de Michelle Williams, que brilha nas poucas vezes em que aparece, até mesmo na conversa por telefone em que não podemos vê-la, mas que deixa clara a aflição do outro lado da linha.

Lonergan mostra também uma sensibilidade admirável ao apresentar uma história sombria sem cair no melodrama confortável pelo qual muitos diretores optam, se recusando, por exemplo, a romantizar o sofrimento de seus personagens. Neste aspecto, a trilha sonora tem um papel fundamental. Ciente das limitações de seus personagens em expressar suas dores, Lonergan usa a música sacra para ditar a intensidade de momentos-chaves, como aquele em que Lee conta a Patrick sobre a morte de seu pai e quando Lee se desespera na delegacia de polícia ao querer se punir pela participação que teve na própria desgraça.

Por outro lado, o diretor e roteirista é inteligente ao perceber que não só de tristeza se dá o luto. Assim, ele usa a divertida dinâmica entre Lee e Patrick (que, juntos, buscam nos compromissos rotineiros uma maneira de lidar com a dor) para explorar momentos cômicos e de leveza.

Mais do que isso, Lonergan entende e respeita o fato de que cada indivíduo lida com a perda de maneiras diferentes, o que resulta na brilhante cena em que Patrick vê um frango congelado e chora pela primeira vez a morte do pai. Ao invés de impor que Lee e Patrick sofram da maneira esperada, Lonergan os conduz por um delicado processo de investigação emocional, motivo pelo qual os conflitos envolvendo o barco da família Chandler, por exemplo, se tornam tão relevantes para o amadurecimento da dupla.

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Sombrio, carismático e divertido, Manchester À Beira-Mar merece a atenção que tem recebido na temporada de premiações, o que certamente não será diferente no Oscar. Se confirmado o seu favoritismo à estatueta de melhor ator, o até então discreto Casey Affleck terá arrebatado os principais prêmios do mundo do cinema com apenas um filme.