Guy Ritchie, o diretor, parece ser um cara que não gosta de tirar férias. Ele já lançou dois filmes este ano: a comédia de ação Esquema de Risco: Operação Fortune, com Jason Statham, e este “O Pacto”, longa de ação/guerra estrelado por Jake Gyllenhaal. O primeiro é um filme tipicamente Ritchie, com diálogos espertinhos, um clima descompromissado e ação misturada com humor.

“O Pacto” é um filme sério e sóbrio, na maior parte do tempo. A história se passa em 2018, e nela acompanhamos o batalhão comandado pelo primeiro-sargento John Kinley (Gyllenhaal), servindo no Afeganistão durante a ocupação norte-americana no país. O grupo recebe um novo intérprete, Ahmed (Dar Salim), depois que o anterior morre, e a relação entre ele e Kinley evolui de antagonismo para respeito ao longo do tempo. Ahmed acaba salvando a vida do sargento, que depois se vê movido a ajudá-lo quando o intérprete e sua família passam a ser perseguidos pelo Talibã.

OS PONTOS ALTOS

A primeira metade de “O Pacto” é muito boa: Ritchie – ele próprio um dos roteiristas – constrói uma atmosfera tensa e naturalista, e vemos cenas com conflitos dramáticos bem claros e eficientes. Salim e Gyllenhaal exploram bem a dinâmica entre seus personagens e a grande batalha no qual o grupo se envolve é um momento de ação muito bem orquestrado pela direção, pela cinematografia de Ed Wild e a montagem de James Herbert. Tudo é bem encenado e Ritchie consegue mostrar a geografia da batalha, tornando-a compreensível para o espectador e, acima de tudo, empolgante.

Mas, cenas de ação à parte, “O Pacto” funciona neste segmento justamente por explorar a tensão entre americanos e afegãos, a relação desigual entre eles, e o faz de maneira calma e discreta, de um jeito até atípico para um filme de Ritchie. É interessante ver a relação entre Kinley e Ahmed sendo construída aos poucos, sempre sob a sombra dessa tensão.

CAMINHO FÁCIL E RASO

Na segunda metade, porém, quando Kinley tem que ajudar Ahmed, o filme começa a seguir o caminho mais tradicional dos recentes longas de guerra patrioteiros, como O Grande Herói (2013) e 12 Heróis (2018). Desta forma, Salim some um pouco de cena e Gyllenhaal até se entrega a alguns histrionismos em sua atuação.

Também passa a entrar um elemento questionável na narrativa, quando o protagonista busca ajuda de um grupo privado de mercenários para resgatar Ahmed. Anthony Starr, de “The Boys”, faz o papel do chefe desse grupo e rouba algumas cenas com sua presença e uma atuação afiada. Mas não deixa de ser irônico – no mau sentido – “O Pacto” acabar transformando esses sujeitos em “quase heróis” e, no processo, até abandona um pouco do realismo com que as cenas de ação são mostradas na primeira metade.

“O Pacto” não é propriamente baseado em uma história real, mas, no início dos créditos, vemos fotos reais de soldados norte-americanos ao lado de seus intérpretes afegãos durante a campanha, e um letreiro nos informa que muitos deles foram perseguidos, alguns até mortos, depois que os Estados Unidos deixaram o Afeganistão. Esse é o momento em que O Pacto acaba expondo um pouco da sua própria hipocrisia: sim, os militares americanos falharam com essas pessoas, como geralmente o fazem em suas campanhas pelo mundo. Mas o final do filme acaba enfocando mais uma culpa dos americanos do que qualquer outra coisa, e Ritchie e seus roteiristas ressaltam as falhas das Forças Armadas enquanto glorificam a iniciativa privada, que vem se mostrando cada vez mais irresponsável e nefasta em conflitos pelo mundo.

Guy Ritchie sabe filmar ação, e se é só isso que o espectador procura, então “O Pacto” pode até satisfazer, especialmente pela força da sua primeira metade. Porém, a promessa de um filme cheio de nuances, para além de um bom espetáculo, acaba não se concretizando.

Talvez umas férias entre projetos tivessem feito bem a Ritchie. Poderia ter aproveitado um tempo para maturar algumas ideias e trabalhar mais no roteiro. “O Pacto” não é um filme ruim, mas é decepcionante por acabar tomando o caminho mais fácil e raso.