Para boa parte do público que frequenta os cinemas, as comédias nacionais devem ser vistas como entretenimentos descompromissados e não como filmes de arte pela crítica. Pessoalmente, não acho esta situação a cerne principal do problema, até porque o humor de qualidade pode transitar nestas duas esferas. Digo isso, pois cresci assistindo – e aqui falo como cinéfilo e não crítico – comédias descerebradas como Apertem os Cintos…o Piloto Sumiu! (1980), Antes Só do Que Mal Acompanhado (1987) e Corra Que a Policia Vem Ai (1988) que sempre ofereceram belos momentos de humor, mesmo com um fiapo de roteiro através de esquetes de humor espirituosos que rendiam ótimas risadas.

Por isso, em 2013, quando conferi Minha Mãe é uma Peça – O Filme, sai do cinema com a nítida sensação (e frustração) de não entender os motivos que levaram a produção a ser o grande sucesso nacional de bilheteria daquele ano. Particularmente, acho o trabalho uma atrocidade completa que se apoia em esquetes ruins e um roteiro imaturo que praticamente inexiste, salvando-se apenas pelo timing eficiente de Paulo Gustavo – quando não exagerava na autopromoção ou no seu histerismo – na improvisação de piadas e no humor físico.

Porém, tal sucesso deve ser compreendido e respeitado afinal o público se identificou com Dona Hermínia e naquela época, começava abraçar as comédias nacionais de apelo popular, cuja fórmula é construída basicamente nos estereótipos populares – a figura da mãe superprotetora, controladora, grossa e falastrona guarda um arquétipo marcante no imaginário social – sendo uma via de sucesso para divertir as pessoas, mesmo que isso passe longe de ser uma manifestação de qualidade do humor, afinal caçoar das particularidades culturais soa um tanto quanto grosseiro ou preconceituoso, ainda que um caminho mais fácil para atingir o riso no espectador.

Logo, tudo indicava que a sequencia não iria melhorar esta imagem, afinal com o público já cativo, a tendência era continuar com o tradicional “em time que está ganhando, não se mexe”, mantendo as mesmas táticas que funcionaram no filme homônimo de 2013. Embutido nesta vibe e preparado para uma potencial bomba atômica do comediante depois do “fofinho” (sqn) Vai Que Cola – O Filme, fui de peito aberto para tolerar os 90 minutos desta continuação.

Para minha surpresa, Minha Mãe é uma Peça 2 está longe de ser um desastre como o primeiro filme ou pelo menos mostra-se menos irritante. Nota-se o esforço desta continuação em propor mudanças dentro da sua própria fórmula e apresentar – mesmo atabalhoadamente -, um roteiro que mantém uma narrativa linear da sua história, ao invés de deixar a “traminha” do filme refém das cenas caóticas que serviam apenas para satisfazer o ego do seu astro comediante. É claro que isso não anula os diversos problemas da obra durante sua metragem. Por isso, seguem 3 pontos que mostram os acertos e erros desta adaptação:


Yes, We Can……ter um  esboço de roteiro

Acerto: As críticas pesadas em relação ao roteiro dos seus filmes anteriores, com certeza tiraram Paulo Gustavo da sua zona de conforto, dedicando meia hora do seu tempo para compor o novo texto ao invés dos cinco minutos que levou para escrever o anterior. Aqui temos um esboço de roteiro que mesmo problemático, inverte a situação vista no primeiro filme, colocando a história em primeiro plano e deixando as esquetes de humor em segundo. Há o avanço de explorar mais a dramaticidade do enredo – ainda que nem sempre acerte o tom neste aspecto – e o roteiro de Gustavo em parceria com o seu habitual colaborador Fil Braz explora com certa sensibilidade, temas como a ansiedade da mãe diante do ninho vazio e a doença de Alzheimer, sem precisar recorrer à vulgaridade como vista na produção de 2013.

Erros: É uma pena que este roteiro mais ousado, não apresente a mesma funcionalidade para explorar as diversas subtramas a qual se propõe criar. Os vários conflitos de Dona Hermínia jamais ganham um desenvolvimento satisfatório. Gustavo e Braz poderiam explorar melhor a ambiguidade da personagem que ao mesmo tempo em que deseja filhos independentes, sente um enorme medo de ser abandonada por eles. Também há um desperdício em aproveitar melhor algumas subtramas, entre elas da ótima Patricya Travassos como irmã da protagonista.


Tom x Jerry da comédia = forma x conteúdo

Acerto:.Ao mostrar nesta sequência Dona Hermínia empoderada e apresentadora de um programa televisivo sobre a vida familiar, mas que se vê incapaz de lidar com a sua própria vida, permitiu uma evolução visual a esta sequência. Cesar Rodrigues mostra que depois do trabalho inexpressivo de Vai Que Cola – o Filme, fez um intensivão fast-forward cinematográfico de direção, elaborando uma sofisticação melhor no refinamento estético através de uma dinâmica maior de enquadramentos e ângulos. Isso permite um ritmo mais adequado a esta sequencia.

Erros: Se há o refinamento visual, a forma por sua vez continua sendo o problema principal, ainda mais por exagerar no aspecto televisivo, com os mesmos vícios didáticos, onde os personagens aparecem explicando coisas que são obvias ao público e que não são necessárias – Na TV isso funciona, mas no cinema não. O apelo verborrágico e novelesco também aparece em excesso. No geral, o filme evoluiu esteticamente, contudo a sua linguagem narrativa é subutilizada em prol dos clichês televisivos.


Menos exagerado, porém ainda preguiçoso

Acerto:. Paulo Gustavo continua como o grande trunfo. Demonstra o mesmo talento de construir Dona Hermínia atraente perante aos olhos do público, sendo preciso nas tiradas cômicas e improvisando com habilidade em cenas chaves. O seu próprio ego e teatralidade encontram-se mais controlados, permitindo uma atuação mais contida – inclusive vê o comediante extraindo humor de uma cena chave voltado a um monólogo solitário é a prova do seu talento versátil. É claro que é para os que gostam do humor mais escrachado, não faltarão momentos ou cenas para isso. É nítido que a gritaria do comediante parece mais pontual e focada, dando espaço para o público respirar e sentir um filme menos exagerado.

Erros: Por sua vez, a fórmula dos esquetes humorísticos apresenta a mesma preguiça do original. As melhores piadas são aquelas vistas no trailer e que coincidentemente aparecem na primeira parte do filme. Por isso, a sensação depois que elas são apresentadas, é de que o filme aos poucos se torna cansativo, e o melhor exemplo disso são as repetições da piada. Para completar, essa junção deste tipo de humor com o roteiro dramático aponta para uma falta de concisão e até mesmo uma dispersão narrativa entre as duas características.

No geral, Minha Mãe é uma Peça 2 quando comparado com outros exemplares nacionais lançados este ano que exploravam o retrato do subúrbio carioca como Até que a Sorte nos Separe 3,  O Suburbano Sortudo e O Último Virgem, o filme de Paulo Gustavo encontra-se um degrau acima, afinal em terra de cego quem tem um olho é rei. Há falhas evidentes que deixam esta sequência longe de ser considerada uma boa comédia, porém há um desejo de inovar, de sair do comodismo e levar o novo filme longe da mediocridade do original. É melhor filme do comediante sem dúvida, ainda que isso não diga muita coisa.