Quando Diana de Themyscira voou para salvar o mundo nos últimos segundos de “Mulher-Maravilha”, o único som que podia se ouvir na sessão de cinema em que eu estava era o dos aplausos. A reação do público, que eclipsou até a forte trilha sonora de Hans Zimmer para o filme, não deixa de ser uma resposta a publicações como o The Hollywood Reporter, que usaram de termos, no mínimo, infelizes, para questionar a escolha da diretora Patty Jenkins para dirigir o filme estrelado por Gal Gadot. Com mais de US$ 200 milhões arrecadados em todo o mundo, “Mulher-Maravilha” deveria sinalizar ventos mais favoráveis para as mulheres nos blockbusters (seja na frente ou atrás das câmeras), mas a Hollywood que a gente bem conhece não é muito chegada a um mea culpa.

Se formos procurar a história da própria Jenkins, veremos que, até os milhões arrecadados na bilheteria no último fim de semana, houve muita dúvida e questionamento por parte dos estúdios. A já citada capa do THR chega a mencionar que é uma “aposta” colocar um filme tão grande nas mãos de uma mulher que dirigiu apenas um “indie” – esqueceram de mencionar que esse “filme pequeno” deu o Oscar de melhor atriz a uma das maiores estrelas do cinema, Charlize Theron.

Enquanto isso, Colin Trevorrow consegue o soco duplo de “Jurassic World” e “Star Wars: Episódio 9” com, esse sim, um indie que pouca gente viu ou lembra. Ele é apenas a ponta do iceberg – ou você já havia ouvido falar de Jordan Vogt-Roberts, diretor de “Kong – Ilha da Caveira”, ou de Gareth Edwards antes de ele levar às telas “Godzilla” (2014) e “Rogue One – Uma Aventura Star Wars” (2016)?

Mas “Kong” tem uma personagem feminina não objetificada, “Rogue One” possui uma mulher ao centro e em “Jurassic World” é uma mulher que salva o dia, você pode argumentar. Contudo, a abordagem dessas personagens e as reações delas perante os homens, principalmente, são ainda resultado da cabeça de realizadores (e aqui insiro ainda os roteiristas) em uma bolha ainda machista, nem sempre por escolha, mas porque é automático. Há exceções, como a Furiosa de “Mad Max: Estrada da Fúria” – se bem que George Miller tinha ouvidos abertos para a esposa, a montadora Margaret Sixel, e para a ativista Eve Ensler, que chegou a ministrar um workshop para as atrizes do elenco.


E o filme da Viúva Negra, Marvel?

No Festival de Cannes deste ano, Jessica Chastain chamou a atenção para a representação feminina nos filmes que ela assistiu ao longo das duas semanas na Riviera Francesa. “Quando incluímos mais contadoras de história, nós temos mais das mulheres que eu reconheço no meu dia-a-dia – proativas, com capacidade própria e que não apenas reagem aos homens”, disse a atriz.

É por isso que “Mulher-Maravilha” é um marco. Além do investimento e da escolha de uma diretora, vemos uma rara super-heroína que não é hiperssexualizada em sua representação. A necessidade de transformar as personagens em símbolos sexuais, seja com piadinhas ou até closes dispensáveis, tem resultado em super-heroínas sem nenhuma funcionalidade à trama.

A Viúva Negra de Scarlett Johansson é o maior exemplo disso. O alter-ego de Natasha Romanoff poderia ter ganhado seu filme-solo há tempos (precisamos mesmo de mais um ‘Homem-Aranha?’), mas a visão da personagem como mero bibelô romântico seja para o Capitão América, Hulk ou o Gavião Arqueiro dá a impressão que ela está ali apenas por estar.

A expectativa é que o sucesso de “Mulher-Maravilha” e a produção do aguardado “Capitã Marvel” façam a turma da Disney/Marvel perceber o potencial da Viúva Negra – não dá nem para dizer que é arriscado dar um filme-solo à personagem quando a atriz que a interpreta é uma das mais populares da atualidade. E se quiser uma dica, que tal seguir os passos do time adversário, que está ganhando, e colocar uma mulher na direção?