O Brasil tem vivido um caos no sistema carcerário, a cidade de Manaus esteve durante as duas primeiras semanas de 2017 nas principais manchetes do mundo devido ao resultado desta crise. Há sempre aqueles filmes que levantam muitas propostas e se adequando a cada uma delas no decorrer da narrativa. O interessante é quando algumas dessas propostas, conhecidas por pano de fundo, interligam-se com a atual conjectura das andanças sociais. Por isso, este é um momento oportuno para lembrar O Expresso da Meia-Noite.

Dirigido por Allan Parker, em 1978, o filme carrega toda a carga dramática de pertencer ao sistema carcerário e, principalmente, quando este fato se dá em uma localidade diferente do seu país natural. Trazendo a história verídica de Billy Hayes (Brad Davis), um jovem americano, que em viagem a Turquia decide levar em seu retorno dois quilos de haxixe presos por baixo de suas roupas. Seu plano acaba não dando certo e ele é preso, com sua vida se transformando em um pesadelo a partir de então, entregue a prisão turca e os métodos brutais e sujos de suas acomodações. Quando espera ser libertado é levado a um novo julgamento com efeito retroativo, que o condena a uma longa pena.

Vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora Original e Roteiro Adaptado para o iniciante Oliver Stone, a sonoridade empregada por Giorgio Moroder nos transporta para a década de 70, ao mesmo tempo em que incomoda e gera uma sensação de imersão na Turquia da era que se concentra a história. Isto também se deve a cenografia com a sujeira e ojeriza que as paredes da prisão evocam. A alternativa de Michel Seresin em filmar com câmera manual complementa a sensibilidade visual e de inconformismo que o ambiente inóspito da cadeia turca evoca.

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Outro aspecto interessante, do ponto de vista técnico, é a escolha de figurinos. Ele diferencia cada fase da história e a personalidade dos personagens, incluindo as próprias mudanças que estes passam no decorrer da película. Nem mesmo os presos em estado de insanidade têm as roupas semelhantes. Hayes é um exemplo nítido. Como um rapaz de classe média americano, faz uso de suspensório, até a primeira sessão de espancamento, quando “normaliza” mais a sua vestimenta, passando a estar mais tempo sem camisa e usar camisa e calça jeans. As cores constantemente fortes também se mostram um indicativo dos sentimentos dos personagens enquanto mantém a esperança de não sucumbir ao encarceramento.

A esperança é um dos pontos abordados na história. Até quando o ser humano é capaz de nutri-la? O que somos capazes de fazer para mantê-la viva? E o quanto ela vale para cada um, são apenas algumas das indagações debatidas no roteiro que calcam a atitude dos personagens. Que estão investidas em sucessivas decisões equivocadas. É evidente que a história individual humana é construída sob erros e acertos, o preocupante é quando a pilha de escolhas erradas é maior que os acertos alcançados. Há decisões que podem não trazer tanto malefícios se bem analisadas e não repetidas. Hayes teve a oportunidade de analisar suas ações durante o período de cárcere e contornar sua jornada de decisões erradas.

A obra traz uma forte crítica ao sistema prisional turco, as truculências, brutalidades, violência e desumanização que eram vistos e tratados os reclusos do sistema. Parker trouxe a atenção do mundo sobre as condições das prisões turcas e a maneira como alguns países lidavam com as questões de drogas. Principalmente, através da condição de bode expiatório conferida a Hayes, condenado primeiramente a quatro anos na prisão, depois teve o processo revisto e a pena modificada para prisão perpétua, demonstrando a resposta turca a política externa de Nixon de combate ao tráfico de drogas.

Mais que um filme anti-turco e uma crítica ao posicionamento do país, está a exemplificação da vida dentro da cadeia. Que exige as pessoas que estão lá dentro a busca incessante pela sobrevivência e isto pode acontecer em diferentes níveis. Apegando-se a esperança de sair, traçando meios de escape, tornando-se um delator ou o principal comerciante interno, buscando companheirismo e até mesmo afeto emocional. O que acontece é uma mediação entre a sobrevivência e a insanidade. A vida dentro do sistema carcerário transmitido em O Expresso da Meia Noite possui uma linha tênue entre sobrevivência e loucura. O que não difere da realidade, afinal, o filme foi baseado numa história verídica.

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As atuações beiram a realidade. Especialmente, John Hurt como Max, rendendo-lhe uma indicação como melhor ator coadjuvante ao Oscar, representando a verdadeira degradação da prisão, que juntamente com as drogas lhe roubaram toda a esperança de saída e de luta pela existência. Rand Quaid como Jimmy, responsável por apresentar a vida na prisão turca a Hayes e manter a esperança aquecida. É com Max e Jimmy que aprendemos o significado de “expresso da meia noite”.

Norbert Weisser como Erich, mostra um pouco da poética imagética e sensorialmente afetiva para o expectador e na vida de Hayes. A atuação de Brad Davis merece destaque, também. Mais uma vez o preparo físico e o corpo do ator gritam sobre sua importância dentro da criação da obra. Davis conseguiu transpor as diferentes facetas de Hayes, em seus diferentes pontos de tensão da narrativa e apontar o quanto o corpo físico está atrelado a mente e ao emocional nesta situação.

O Expresso da Meia Noite conseguiu ser subversivo e manter o espírito contestador de alguém que levanta a bandeira e grita em prol dos direitos humanos e a liberdade. Contrapondo a poética de uma coragem sutil a opressão de quem detém o poder, ou sua vaga sensação.