Antes de nos deixar em 2016, Hector Babenco entregou “Meu Amigo Hindu”. Em cada frame e fala do filme, percebe-se que o cineasta argentino naturalizado brasileiro sabia que aquele seria o último projeto da carreira. Mesmo assim e apesar dos dramas enfrentados pelo protagonista interpretado por Willem Dafoe, há uma beleza tão grande no longa que sentimos a morte não como algo a se lamentar, mas, como a maior oportunidade de celebração de beleza da vida que tivemos.

De certa maneira, este é o resultado alcançado por “Oscarino & Peteleco”. Aqui, claro, não temos uma homenagem póstuma (ainda bem, batemos todos juntos na madeira), mas, não se esconde a fragilidade da saúde do protagonista. Em vez de olhar para a dupla mais marcante da cultura amazonense como coitados, o diretor Anderson Mendes aproveita a oportunidade para celebrar o legado deixado pelo ventríloquo e seu boneco.

Lançado na última terça-feira (23) no Cinemark do Studio 5, “Oscarino & Peteleco” traz a história de 60 anos de carreira da dupla marcante do cenário cultural amazonense. Com imagens de arquivo da TV Cultura e de uma entrevista feita ao Programa do Jô, o documentário de 20 minutos apresenta uma entrevista dos dois sobre o surgimento da parceria, as glórias e percalços, além do que será o futuro perto da possibilidade da morte. Tudo isso na véspera de uma importante apresentação no Teatro Amazonas.

Diferente dos bons projetos anteriores da carreira, o documentário “A Incrível História de Coti – O Rambo do São Jorge” e “Picolé do Aranha”, Anderson Mendes adota um tom menos brincalhão e ágil, o que combina com a proposta de “Oscarino & Peteleco”. O grande acerto está em apostar nas conversas da dupla e como, apesar da passagem do tempo, eles continuam com aquele humor ingênuo dos velhos tempos.

Oscarino e Peteleco

Trabalhando com apenas duas câmeras – a primeira em plano aberto e a segunda fechada – há um clima acertadamente intimista. A dinâmica da conversa e a forma como o material é apresentado ao público sem o sensacionalismo de trilha em acordes melosos ou momentos de pieguice gratuitos com closes exagerados evidencia o respeito entre as duas partes.

Por isso, a fragilidade surgida em constantes lapsos de memória e o medo da morte separar a inseparável amizade entre a dupla não ganham ares mórbidos ou de exploração de uma desgraça, mas, sim, de celebração de uma extensa vida cheia de momentos inesquecíveis. A capacidade do curta em mesclar os momentos mais dramáticos (o choro de Oscarino ou a cara de Peteleco ao ouvir as tristes palavras do amigo são de partir o coração) com o humor ingênuo tão próprio da dupla (a ‘reclamação’ de Peteleco ao ter a cabeça batida contra a parede no momento em que o amigo quase cai da escada é sutil, mas, certeira) mostra como Anderson Mendes capturou a essência da simplicidade dos entrevistados.

Tudo seria perfeito e estaríamos diante do melhor documentário amazonense dos últimos anos se não fosse a derrapada do ato final: o filme prepara o espectador para a tal apresentação no Teatro Amazonas de maneira inteligente. Primeiro, um telefone toca e mostra a apreensão de Oscarino se estará bem para o show, o que já nos deixa em estado de apreensão. Depois, vemos o artista se arrumar todo, fazendo a barba, usando inalador para melhorar a voz, escolhendo a roupa.

Eis, então, que chega a apresentação e, para a decepção (pelo menos, minha), vemos três takes, um áudio pouco audível e tudo muito rápido. É como se um filme de ação tivesse preparado tudo para uma grande batalha e, na hora da guerra, os dois lados chegassem a um acordo, apertassem as mãos e fossem embora. Um total anticlímax.

Apesar de tal falha gritante, “Oscarino & Peteleco” consegue sair com um belo saldo positivo, demonstrando uma evolução no trabalho de Anderson Mendes como documentarista. Isso sem falar na singela homenagem e celebração da vida de figuras encantadoras da nossa cultura.

PS: antes de “Oscarino & Peteleco”, o público presente ao Cinemark pode conferir dois episódios da boa websérie “Ciclos”, também dirigida por Anderson Mendes, e o confuso curta “Well Kill”. Dirigido por Zê Leão (também conhecido como Júnior Rodrigues), o filme é uma tentativa de misturar “Cine Holliudy” com “O Sétimo Selo” em tons barés. O resultado, porém, é bem fraquinho sem saber exatamente para qual lado está caminhando (seria um suspense, uma comédia ou qualquer outra coisa?).