Dirigido pelo paraense Rodrigo Antonio, “Meus Santos Saúdam teus Santos” está concorrendo ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2023. A produção busca uma vaga na categoria de Melhor Curta-Metragem de Documentário do evento promovido pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais. 

Com passagens por eventos como Festival Olhar do Norte, Mostra de Tiradentes e Festival de Vitória, “Meus Santos Saúdam teus Santos” fez parte da pesquisa de mestrado em Artes de Rodrigo Antonio sobre a construção de memórias de famílias negras no documentário brasileiro. O curta registra a viagem de regresso do diretor à ilha do Marajó, terra de seus avós, onde ele conhece a pajé Roxita e recebe a notícia de que têm guias espirituais de herança. Rodrigo vive sua iniciação na pajelança marajoara e registra sua relação com Roxita, que o guia num encontro com seus ancestrais.

O curta-metragem integra uma trilogia feita pelo diretor, com a produção da Leão do Norte, do Amazonas. O público terá a oportunidade de conferir “Meus Santos Saúdam teus Santos” no Porta Curtas até o dia 20 de maio (clique aqui).

CONFIRA ABAIXO UMA ENTREVISTA COM RODRIGO ANTONIO:

Qual o significado para o seu trabalho de “Meus Santos Saúdam Teus Santos” estar no primeiro turno do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2023?

Rodrigo Antonio – Recebi a notícia com muita honra. O filme foi indicado por curadores de festivais nacionais que o filme foi exibido, indicando a recepção positiva, não só pelo filme ter estado nas mostras competitivas de grandes festivais nacionais, como também pelo reconhecimento de estar na lista dos melhores curtas nacionais do ano.

O filme nasceu como uma experimentação prática do meu mestrado em artes, finalizado na UFPA em março de 2023, não imaginei que ele atingiria uma circulação de dimensão internacional. Esteve no BlackStar Film Festival em agosto de 2023, na Filadelfia e, desde então recebo convites para o filme ser usado em universidades americanas e em janeiro desse ano puder dar uma aula virtual para a Universidade de Washington a partir do filme. Tem sido de uma oportunidade única, não só difundir o filme em muitos territórios como poder compartilhar do meu estudo sobre memória de famílias negras no documentário brasileiro. Acredito que a indicação ao Grande Prêmio Brasileiro não só me motiva como abre novas portas pra seguir fazer a difusão do filme em espaços além das salas de cinema e festivais, mas também podendo aproveitar a brecha pra falar de cinema negro e cinema afroamazônico em contextos como a sala de aula.

Você debate as religiosidades de matriz africana no seu trabalho. Como nasceu o filme “Meus santos saúdam teus santos”?

Rodrigo Antonio – O filme nasceu da minha pesquisa de mestrado, minha indagação inicial era: como criar narrativas de famílias negras sem o suporte do arquivo imagético? Como compreender que o torna-se sujeito de nossa própria história, como cineastas negros, nos convoca a fabular as imagens que nos foram negadas?

Isso foi ponto de partida para propor uma reflexão teórica partindo de autoras negras, principalmente sobre a ideia de aquilombamento de Beatriz Nascimento e afrografias de Leda Maria Martins. Mas eu não queria ficar no campo teórico, para mim sistematizar a reflexão de pensadoras negras passava também por propor um método de escrita fílmica para cineastas negros frente ao nosso desafio de contar nossas histórias a partir dos vestígios e da ausência, daí propus uma trilogia a fim de provar a metodologia e experimentar com a linguagem audiovisual. A vivência de retorno ao Marajó, de onde descende minha família materna e paterna, era não só o ponto de partida, mas o ponto de retorno que me levou a uma descoberta espiritual ancestral na pajelança marajoara que indicou que eu estava no caminho certo, não para responder nada com os filmes ou as perguntas, mas para ampliar e fortalecer as perguntas que eu estava fazendo a mim e ao campo da pesquisa em cinema negro.

Dentro da sua obra, como “Meus santos saúdam teus santos” se relaciona com seus filmes anteriores?

Rodrigo Antonio – Eu desenvolvi profissionalmente uma carreira como produtor executivo, trabalho há alguns anos produzindo os filmes e as histórias de outros cineastas e amigos. O campo da produção me possibilitou me inserir no mercado audiovisual como também me deu ferramentas para permanecer em atividade. Foi atuando como produtor por anos que eu despertei para um desejo de contar a minha própria história, contar a minha própria história. O cinema é arte coletiva e esses diálogos constantes com profissionais da área me motivaram a iniciar o mestrado e a dirigir meus próprios filmes. Como diretor, a trilogia que nasce do mestrado é a minha produção principal e mais atual e elas dialogam diretamente pois parte do meu retorno ao marajó, da vivencia com a pajelança marajoara e no encontro de arquivos familiares que me não só me despertam, mas me convocam a um compromisso com a história de um território, que é o Marajó e a região amazônica como um todo. A trajetória do filme pelo brasil, mas principalmente em países, como EUA, França e Colômbia, inserem o debate do afroamazônico no diálogo com as reflexões da produção de cineastas negros contemporâneos no Brasil, cinema e cineastas estes que estão movendo o refazimento de um imaginário nacional. Entao consigo perceber que os três curtas que dirigi se inserem num universo mais amplo, que vai além da minha pesquisa, além da memória da minha família em específico, mas sim, constrói e faz parte de um momento muito importante de repensar quem faz o que conta e por que conta e repensa o cinema brasileiro atual.

Você possui outros trabalhos para lançar em breve. Você já pode falar um pouco sobre eles?

Rodrigo Antonio –  Como comentei o filme é o primeiro de uma trilogia, os dois primeiros estão em circulação, Meus santos saúdam teus santos já numa circulação em espaços educativos, em mostras especiais, até em museus e eventos de patrimônio histórico tá sendo convidado. Isso me deixa muito feliz, principalmente porque o curta assume um lugar de apresentar o universo da pajelança em espaços educativos, isso é fantástico até mesmo em celebração e honra a todo o trabalho que a Pajé Roxita realizada na casa de missão e caridade Sto Antonio, junto a outros mestres e mestras que mantem um saber ancestral de pé e resistindo no Marajó.

Casa de Luiza é o segundo da série focado mais na memória da casa da minha avó. Meu pai nunca tinha me contado a história da nossa família, e entendo que muito de nós, crescemos com a ideia de nossas histórias não importarem, de terem um valor menor, isso também é uma marca do racismo. Quando meu pai me viu morando em soure, pesquisando sobre a nossa família, algo despertou nele também e ele se tornou o principal interlocutor da pesquisa, assim no segundo filme, me guiei no sentido de me conectar com meu pai, de pensar o que é preservar a história da família pra mim e o que ele pensava disso? Falar de memória é rever arquivos ou preservar a estrutura física da casa hoje? Aí ele se torna personagem no filme e fomos entendendo que o espaço da casa é porto onde nossas diferentes memórias repousavm, mas ainda não haviam se comunicado. Me propus então a cruzar essas memórias com meu pai.

E como seguimento, temos uma proposição de longa metragem, partindo do “Meus santos saúdam teus santos, de me aprofundar no contexto da pajelança marajoara feita na ilha do Marajó, ampliando o universo apresentado no curta. O projeto de longa foi contemplado no edital de novos realizadores da Ancine, assim, em breve tem o primeiro longa vindo aí…

Você também está envolvido com o desenvolvimento de outras produções de cineastas negros e negras na Amazônia, com o LAB Negras Narrativas Amazônicas. Fale um pouco sobre esse movimento.

Rodrigo Antonio –  Acho que todo esse processo vivido tanto na pesquisa como na produção dos filmes nasce da minha relação e do meu trabalho na apan, associação de profissionais do audiovisual negro. Fui conselheiro por um ano e estive até o inicio desse ano como presidente. Foi uma experiência revolucionária, sou muito honrado de fazer parte da história da apan e contribuir para o fortalecimento do cinema negro no brasil, articulando políticas afirmativas e estratégias de inserção e permanência no mercado, de profissionais negres.

O convite para coordenar o Lab Negras Narrativas, realizado pela APan, desde 2016, surgiu na pandemia pela então presidente da entidade, a cineasta baiana Viviane Ferreira. Coordenei duas edições do lab nacional e essa experiência nos ajudou a captar e a pensar um lab específico para a região amazônica.  O lab partiu de um dado que tivemos com o nacional, de que recebíamos poucas inscrições de projetos da região, e isso está relacionado a maiores dificuldades de acesso a espaços formativos, a necessidade de aprimorar técnicas e ferramentas para inserir e fazer projetos de realizadores negres da região conseguirem se inserir em eventos de mercado e espaços de laboratório nacional, mas também da necessidade da gente, enquanto organizadores do lab, de oferecer escuta as pautas especificas da região, em especial ao debate da identidade afroamazonica. Eu como presidente da apan e como cineasta da região, tinha esse compromisso como coordenador do lab, daí pensamos com a equipe, “Nada melhor do que se aproximar da realidade e da reflexão e dos desafios dos cineastas negres da região e do debate do ser ser afro-amazônida do que a partir das narrativas e dos desejos de filmes dessas pessoas. Assim a gente entendeu que a proposição de um espaço ia ser muito mais interessante se, ao mesmo tempo, oferecesse metodologia de fortalecimento dos projetos e vivesse esse projeto de escuta, do que está posto neste processo de identidade da pessoa negra localizada na região amazônica.

A questão que fica é “Pensar cinema negro é pensar cinema brasileiro, afirmando isso em nossa pluralidade de negritudes. Daí a importância de trazer, para o centro do debate, o imaginário afroindígena ainda não pautado na agenda nacional. A atenção às narrativas amazônicas pra mim, se orienta  na possibilidade de ter realizadores negros como protagonistas na construção de políticas públicas para a região e na afirmação de uma autoimagem do cinema amazônico a partir do domínio das ferramentas de produção audiovisual no contexto atual.

Agora que passou a primeira edição do lab e que me retirei da presidência da apan, espero ter dado minha contribuição para que novas edições ocorram e o cinema amazônico feito por cineastas negros ocupe o lugar que lhe é de direito.