Existem dois Paul Thomas Anderson. Ambos estão entre os nomes mais talentosos da atual geração e, o que é melhor, você não tem de preferir um ou outro. Porque os dois fizeram filmes estupendos.

Nascido em 1970 em Los Angeles, lar das grandes estrelas do cinema, PTA tinha as ferramentas necessárias para ascender na indústria sem traumas: seu pai, Ernie Anderson, era apresentador de rádio e TV, privava com os astros e sempre incentivou a aptidão artística do filho. Bem, aptidão não é exatamente a palavra. Melhor seria dizer gênio.

“Gênio?”, você talvez pergunte, cético. Sim. Anderson é daquela raríssima estirpe que já nasceu pronta, só aguardando o momento de fazer a primeira e fatal aparição. E esta aconteceu com Jogada de Risco (1996), trabalho de conclusão de um curso em Sundance, lar do famoso festival. De cara, as melhores qualidades de PTA já aparecem maduras: as longas e complicadas tomadas, nunca por mero virtuosismo, mas para sublinhar os detalhes que cercam a ação principal; os roteiros de qualidade literária, com alguns dos melhores diálogos deste lado de Tarantino; e um pendor para a análise das fraquezas humanas, encarnadas na história dos escroques Sydney (Philip Baker Hall) e John (John C. Reilly).

O filme foi um sucesso modesto de público, mas impressionou críticos e estrelas de Hollywood, abrindo as portas para uma carreira de verdade no ramo.

Boogie Nights 15+

Jogada de Risco também revelou uma influência importante nesta fase: os filmes de Robert Altman, principalmente Nashville (1975) e O Jogador (1992), com suas tramas paralelas conectadas por um cenário ou um incidente comum. Essa influência iria encontrar sua expressão mais madura em Boogie Nights – Prazer sem Limites (1997), filme que pode ser considerado o primeiro clássico do diretor.

Com uma trama inspirada na vida de John Holmes, o famoso ator pornô dos anos 1970, o filme traz a história de Eddie Adams (Mark Wahlberg), dos dias de desocupado até o estrelato no cinema erótico, e de personagens-satélite da indústria. Às vezes trágico, às vezes violento, às vezes francamente hilário, o filme mostra um cineasta maduro, com domínio total da câmera, do roteiro e da direção de atores. Aliás, arrancar grandes atuações de Philip Seymour Hoffman, Julianne Moore e Don Cheadle, todos nomes em ascensão neste filme, é fácil – difícil é fazer o que ele fez com Mark Wahlberg, que deu conta do protagonista e teve sua carreira como ator muito mais respeitada por causa do trabalho. O próprio Altman logo reconheceu no garoto o seu sucessor, e o escalou como codiretor seu último filme antes de morrer, A Última Noite (2005).

Boogie Nights também faturou indicações ao Oscar para Ator Coadjuvante (Burt Reynolds, que teve sua carreira ressuscitada pelo filme), Atriz Coadjuvante (Julianne Moore) e Roteiro Original. O garoto definitivamente não estava para brincadeira.

Fama

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O passo seguinte de Paul Thomas Anderson foi ainda mais ambicioso. Na época, Magnólia (1999) foi visto como o ápice da fase “Altman” do diretor, levando ao extremo a proposta das histórias paralelas e trazendo mais atuações magistrais de Tom Cruise (que nunca mais igualou o seu desempenho neste filme) e William H. Macy.

Inspirado na obra da cantora Aimee Mann, Magnólia sai do painel histórico de Boogie Nights para analisar as relações afetivas e familiares dos personagens. Visto em retrospecto, porém, o filme parece mais pretensioso do que realmente grande, sem conseguir alcançar as expectativas criadas no início da trama. No lançamento, o próprio PTA se mostrava orgulhoso, chegando a dizer que aquele seria o melhor filme que ele jamais faria.

Transição

A julgar por seu trabalho seguinte, a declaração até que faz sentido. Uma incursão pela comédia tingida de surrealismo, Embriagado de Amor, o péssimo título nacional para Punch-Drunk Love, de 2002, traz uma das colaborações mais insólitas do cinema, unindo Anderson a Adam Sandler, o rei da comédia-porcaria. Mas o filme é bom, se não brilhante como os outros: como um loser confuso em meio a ataques de raiva e irmãs controladoras, Sandler não só entrega o melhor desempenho da sua carreira, mas faz seu único filme realmente duradouro. Para Paul, se o saldo não é tão alto quanto o de suas obras anteriores, Embriagado também não faz feio, e aponta para a mudança de rumos que viria no trabalho seguinte.

Um novo Paul

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O formalismo de Embriagado de Amor, que investe em ângulos bizarros e em uma fotografia saturada, quase psicodélica, é a primeira pista para a mudança completa que se operaria nos filmes do diretor. Abraçando uma influência oposta ao naturalismo de Altman, Paul mergulhou na fase europeia de Stanley Kubrick. Um novo interesse por planos simétricos, deliberadamente artificiais, tramas mais concentradas, de tino épico, e a parceria com o compositor Jonny Greenwood, mais conhecido como guitarrista do grupo de rock Radiohead, foram as sementes para a profunda reinvenção de Sangue Negro (2007).

Certamente o filme americano mais ousado daquele ano, Sangue traz a história de Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis), um mineiro incrivelmente ambicioso que vai travar uma guerra contra um pastor (Paul Dano) pelo direito de explorar o petróleo de um povoado. Uma obra de horizontes vastos como os planos do deserto do Texas que surgem na tela, com a maior atuação da carreira de Daniel Day-Lewis (e provavelmente de Dano) e uma mistura subversiva de selvageria e fé, Sangue Negro é a obra máxima de Paul Thomas Anderson até agora, bem como o arauto da maior reinvenção já vista no cinema americano. Se tiver que assistir a um único filme do diretor, não tenha dúvida: é este.

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Felizmente, para nós, PTA segue mais firme e ousado do que nunca. Seu trabalho seguinte, O Mestre (2012), de tão arriscado no assunto – a trama é claramente inspirada na cientologia, a religião da moda entre os ricos e famosos –, teve uma acolhida fria, quase muda, nos Estados Unidos. Pior para eles. Com mais um show de atuações dos protagonistas, Philip Seymour Hoffman e, especialmente, Joaquin Phoenix, o filme explora a complexa relação entre um ex-fuzileiro (Phoenix) e o criador de uma seita (Hoffman), num novo mergulho em correntes kubrickianas.

Para seu próximo trabalho, previsto para este ano, Anderson mostra que não pretende pegar leve: uma adaptação do romance Vício Inerente, do mais complicado e original dos autores americanos vivos, Thomas Pynchon. Podemos desde já esperar um dos grandes filmes desse ano.

Paul Thomas Anderson, o cineasta que nasceu para o ofício, mostrou desde cedo um domínio extraordinário do métier. Com parcos 44 anos, aonde será que ele ainda pode chegar?

Obras recomendadas:

Boogie Nights – Prazer sem Limites (1997)

Magnólia (1999)

Sangue Negro (2007)

O Mestre (2012)