Na década de 80, diretores americanos como William Friedkin, Walter Hill e John MacTiern transformaram o cinema policial em principal herdeiro da estrutura dos faroestes clássicos. A partir dai, este subgênero cinematográfico se tornou frenquentemente apreciado nas rodas cults cinéfilas, enquanto o público comum o consumia com entusiasmo nas redes de cinemas pelo mundo. Contudo, nenhum dos citados, conseguiu explorar com tanta complexidade, qualidade e esmero a fórmula, como Michael Mann.

O então jovem cineasta, revitalizou o cinema policial dando uma roupagem contemporânea, utilizando os clichês das obras policiais americanas do Noir na década de 50 para mesclá-los aos embates morais e éticos dos faroestes clássicos. Criou como produto, um cinema urbano-social de senso estético apurado, onde os personagens – verdadeiros anti-heróis –  buscavam a redenção como forma de expiação da culpa, por suas trajetorias trágicas, sempre no limite das funções exercidas pelas suas profissões. Mann de certo modo, trouxe significativas mudanças as fitas policiais e como um bom maestro, entendia que uma película de ação poderia ter tiroteio, perseguições e violência, mas permeados com personagens humanos e boas histórias dramáticas em tornos deles.

Por isso, Profissão Ladrão (1981) é uma pequena pérola cinematográfica cult, seu primeiro filme para o cinema, geralmente esquecido quando comparado com outras obras repletas de estrelas comandadas pelo diretor, como Fogo Contra Fogo (1995), Colateral (2004) e Inimigos Públicos (2009). Pode-se dizer, que Profissão é uma espécie de policial neo-noir do crime, que transforma o seu anti-herói na figura do mito de Fausto, só que dotado de uma conduta ética sólida que o leva ao limite físico das suas situações, mas sem abalá-lo emocionalmente.

Frank (James Caan, excepcional) é um especialista em roubos de joias, e ex-detento que ao lado do parceiro Barry (James Belushi), utiliza como fachada de negócios uma concessionária e um bar, mantendo o mínimo contato possível com o crime organizado de Chicago. Com o intuito de aposentar-se e formar uma família, depois que se apaixona por Jessie (Tuesday Weld), ele aceita executar um último serviço para o chefe do crime Leo (Robert Prosky) situação que levará Frank ao seu limite pessoal e a um caminho sem volta.

Em sua estreia, Mann já ensaiava o seu estilo urbano que caracterizaria nas obras posteriores, repleto de personagens desencantados e amargurados com a vida, submersos na sua solidão. Profissão Ladrão é um western urbano, com um trabalho cuidadoso no roteiro, montagem, som, fotografia e personagens.

O texto escrito pelo diretor, situa-se na época que os Estados Unidos, se dava conta, que o chamado sonho americano, era de fato, uma ilusão. O Frank de Caan é o típico sonhador: autônomo, tem livre circulação nos seus crimes, um espírito livre que não se envolve com o sindicato do crime de Chicago, e demostra um enorme desejo por uma vida confortável com uma bela mulher, casa e filho, uma estabilidade que só o sonho americano pode proporcionar. Frank é o dito “trabalhador” americano, que depois de arrombar um cofre, observa a bagunça gerada com certo prazer no rosto, como se a conquista deste objetivo, está associada a uma realização pessoal e não a uma satisfação material (o dinheiro). Mann evidencia uma mensagem de esquerda, em que discute os elementos do poder social através do profissional do caos, o homem da natureza que questiona as estruturas de poder da cultura e seu sistema social.

Mas nesta vida do crime, os desejos de Frank se confrontarão com ambição e vícios dos outros, que dissolvem os sonhos. Profissão Ladrão não deixa de ser um trabalho herdeiro do cinema de Sam Peckinpah, principalmente pelo jeito anacrônico e individualista, onde o idealismo e as implicações morais movem as ações dos seus personagens sendo o exemplo máximo a vingança kamikaze executada por Frank na parte final do filme, desfecho que remete as grandes vinganças dos faroestes. Ao personagem, só resta aceitar quem sempre foi, um criminoso.

Parte desta jornada, abraça uma moldura poética romântica na noite noturna de Chicago, o cenário ideal de ode aos excluídos, funcionando como lugar adequado para abrigar estes “fora das leis” ou marginais sociais que demonstram suas qualidades apenas quando a noite cai. Isso é magistralmente explorado pela lindíssima fotografia de Donald E. Thorin: de paletas de cores frias e azuladas com significados ambíguos interessantes sobre a vida de Frank, que reproduz tanto o ambiente depressivo em que vive quanto a serenidade e masculinidade da sua personalidade. A Chicago filmada a noite por Mann, cheia de neons azuis, emite o blues opressivo ideal para este duelo westerniano em conflitos que acontecem na calada da noite. Não é exagero dizer, que nenhum diretor hoje, trabalha tão bem a fotografia nos seus filmes como Mann, que entrega em cada detalhe de cena, imagens de uma pintura expressionista sobre a noite.

Até a parte dramática do filme é bem desenvolvida pelo cineasta, como a sequência que o personagem de Caan revela seus sentimentos a Jessie em um genial monólogo (são quase 10 minutos de confissões) em uma lanchonete moribunda a beira da estrada, onde a câmera de Mann capta os diálogos e olhares verdadeiros e repletos de significados dos personagens, uma declaração de amor digna da trilogia de Celine e Jesse de Richard Linklater, mas inserida dentro de um filme policial.

Cena que mostra o talento de James Caan, que têm a sua melhor atuação da carreira (Sorry, Sonny Corleone), ao interpretar Frank com  sutileza e naturalidade quando pratica seus crimes ao lado explosivo na sua vida pessoal. A trilha sonora eletrônica do grupo Tangerine Dream é outro ponto positivo do filme. Funciona como um personagem dentro do filme, ajudando na composição atmosférica anos 80 e no tom angustiante da jornada melancólica de Frank por meio das notas sintetizadoras e intimistas que unem a estilização ao realismo do filme.

Imerso em uma atmosfera melancólica e opressiva, Profissão Ladrão é um policial contundente, onde os personagens principais estão sempre em conflito entre seus ideais particulares e a realidade externa, buscando o caminho da redenção pelos seus pecados. Se para Frank esta redenção é um caminho sem volta, o seu particular código de ética continuará inabalável, assim como o olhar fascinante de Mann em estudar e compreender seus personagens dentro do contexto social que habitam,  a partir da técnica cinematográfica.