Uma das coisas boas de ter o lançamento de duas obras de um mesmo autor – ele no caso, é o mestre do terror, Stephen King – em um espaço curto de tempo (duas semanas) é a possibilidade de observar como elas são vendidas ao público. Isso é um ponto primordial para indicar a procedência da qualidade do produto.

Enquanto IT – A Coisa ganhou um tratamento de primogênito querido de alto garbo, tanto nos trailers, posters e marketing, com direito a participação do seu criador em comerciais de divulgação do filme nos cinemas, A Torre Negra assumiu o papel de ovelha negra da família, visto a recepção negativa nas exibições testes ao marketing praticamente inexistente que deixou evidente que o próprio estúdio tinha vergonha do produto. O próprio King, se ateve a balbuciar alguns comentários tímidos sobre sua criatura, pouco participando da sua divulgação.

Partindo do pressuposto que na minha concepção, livros adaptados para o cinema, não devem ser uma cópia fiel do material original, sendo importante o processo de “liberdade poética”, recurso necessário para o bom funcionamento do enredo dentro da linguagem cinematográfica. É claro que a adaptação precisa manter a essência (o espírito) principal do livro, senão não adiantaria manter o título da fonte.

Sobre a série literária, King escreveu o primeiro rascunho lá pela década de 70 com forte inspiração no universo imaginário de Senhor dos Anéis de Tolkien, misturando diversas referências à cultura pop americana. Ao todo são 8 livros e 16 volumes de quadrinhos relacionados a este universo. No filme, acabou que o último livro foi a principal fonte de inspiração, onde acompanhamos o jovem Jake (Tom Taylor) que está sendo assolado por pesadelos estranhos relacionados ao pistoleiro Roland Deschain (Idris Elba), o último de uma linhagem responsável em defender a torre que dá título ao filme, local responsável em manter as várias dimensões existentes na terra, protegidas do mal, personificado na figura do Homem de Preto (Matthew McConaughey).

O problema que ronda A Torre Negra é que ela não consegue flutuar entre os dois aspectos citados acima: suas escolhas poéticas, de reunir os oito livros em um único filme, não encontram uma estrutura narrativa consistente, logo, a impressão passada ao espectador é de uma verdadeira salada mista que pouco se assemelha a essência do universo dos livros e também se torna desinteressante para o espectador leigo, que nunca leu as obras, afinal jamais se torna empolgante devido a irregularidade de como transita entre o faroeste, a ficção científica e a ação.

Logo, ao mesclar vários gêneros cinematográficos fantásticos, A Torre Negra soa como um blockbuster genérico, sem alma ou que possa oferecer um denominador comum que estruture sua narrativa principal com as diversas subtramas pontuadas pelo texto. Mad Max – a Estrada da Fúria (2015) e a própria trilogia do Senhor dos Anéis tinham enredos fantásticos que iam do simples, no caso do primeiro, ao complexo em relação ao segundo exemplo, mas ambos conseguiam alinhar o seu conteúdo ao interesse do público. A Torre Negra neste aspecto, falha em despertar qualquer interesse da nossa parte em relação a ele.

O roteiro assinado a oito mãos sob a tutela de Akiva Goldsman, responsável por diversas tralhas nos últimos quinze anos no cinema, soa extremamente didático, ficando apenas na superfície da mitologia criada por King. Exemplos que ilustram essa problemática não faltam: a construção rasa do vilão Homem de Preto e toda a trajetória de Jake dentro da sua jornada de herói e na sua relação com o pistoleiro é feita de forma preguiçosa, sem aprofundamento e com vários diálogos fracos. O próprio ritmo do filme é deficiente quando não permite que o espectador crie significado, emoção ou envolvimento com a obra, sempre pulado de uma situação para outra de forma apressada, ainda que se torne perceptível que existe problemas de metragem, onde os 95 minutos da produção denotam um espaço de tempo inadequado para abranger um mundo fantástico tão complexo como aquele apresentado nos livros.

É claro que nem tudo são defeitos em A Torre Negra. Mesmo longe de suas grandes atuações, tanto ElbaMcConaughey tornam o filme um passatempo descompromissado. O primeiro mesmo com um personagem delineado sem grande complexidade pelo texto, consegue pelas suas expressões dramáticas e empatia, permitir que o pistoleiro Deschain se aproxime do espectador. Uma pena que Idris desde que chamou a atenção com Beasts Of Nation (2015), não tenha feito papéis que exijam o melhor do seu grande talento. Já Matthew sofre com um vilão como já exposto, raso, mas o fato dele transparecer que está se divertido horrores dentro da sua atuação canastra, através de um figurino cafona de cantor de boy band, ajuda o público a embarcar na onda. De certa forma, o ator cairia como uma luva para viver Randall Flag, o vilão do romance Dança da Morte de Stephen King. E o jovem Tom Taylor não faz feio perante os dois astros, revelando-se eficiente no papel de protagonista.

Tecnicamente, tanto a fotografia quanto o design de produção se destacam. Ambas não apenas criam visualmente atmosferas pessimistas como exploram bem as diferenças estilísticas entre uma realidade a outra – é só observar a questão policromática como a Terra Keystone (a N.York do filme) é caracterizada com cores fortes e vivas, diferente da distopia niilista do Mundo-Médio. Neste aspecto, o design permite que os elementos fantásticos dialoguem muito bem com os de faroeste e de terror. A direção do dinamarquês Nikolaj Arcel do ótimo Amante da Rainha (2012) se por um lado acerta na decupagem que evita a edição frenética irritante tão em voga nos filmes de Hollywood de hoje, pelo outro lado, não tem como negar que as suas cenas de ação não oferecem qualquer tipo de empolgação ou vibração. É mais um exemplo de como Hollywood é capaz de tolir as almas  de diretores talentosos oriundos dos países nórdicos. Aos fãs do universo de King, o filme também vai agradar com vários easter eggs com menções ao Hotel Overlook de O Iluminado (1980) e o modelo de carro Plymouth Fury de Christine, O Carro Assassino (1983).

O fato é que A Torre Negra é um passatempo mediano. Diferentes de outras bombas lançadas esse ano como A Múmia, Resident Evil 6 e Assassin´s Creed, a adaptação cinematográfica do livro de King mesmo didática e com falha de ritmo, apresenta uma coerência narrativa com início, meio e fim, isto é, por mais superficial que seja, pelo menos passa longe de ser irritante como os demais filmes citados. Aquela famosa frase desligue a TV e vá ler um livro pode ser adaptada e empregada aqui: leia a série literária e caso você esteja algum dia de bobeira olhando o teto do quarto, assista o filme.