O que se tem com a junção de uma história cativante e cheia de metáforas, uma música icônica e uma das estrelas mais talentosas que o show business já viu? Essa série de hipérboles poderia se referir a muitos clássicos do cinema (ainda bem!), mas cai como uma luva mesmo é em “O Mágico de Oz”, primeiro filme da série do Cine Set sobre o ano de 1939 no cinema.

Confesso que comecei escrevendo esse texto como uma crítica do filme dirigido por Victor Fleming (que, naquele mesmo ano, ainda entregaria ‘…E o Vento Levou’), mas não consegui ir além do que já foi pontuado por tantos escribas, como o nosso brilhante Renildo, o qual cito aqui: “Os ranhetas podem achar que  o filme sobra em pieguice, maniqueísmo e até cafonice, mas os admiradores é que estão com a razão: a obra é um prodígio de imaginação visual e sabedoria no uso das possibilidades do cinema”.

A protagonista

Enquanto assistia ao filme pela milésima vez e ao iniciar este texto, apenas duas palavras me vinham à cabeça: Judy Garland. Precisamos continuar falando sobre Judy, que é a alma deste e de tantos outros clássicos (do singelo ‘Agora Seremos Felizes’ ao infelizmente profético remake de ‘Nasce Uma Estrela’).

Para além da história da menina que queria voltar para casa – e de seus amigos em busca de um coração, um cérebro e coragem -, “O Mágico de Oz” se tornou um símbolo da vida de sua estrela.

Judy Garland era uma adolescente, porém, veterana na indústria do entretenimento, quando calçou os sapatinhos de rubi pela primeira vez. Atriz, cantora, dançarina e dona de um carisma impressionante, a jovem teria tudo para, com “O Mágico de Oz”, virar uma das maiores estrelas do mundo. E foi. O porém foi o custo caríssimo que teve que pagar ao longo de sua curta vida.

 Bastidores sentidos por décadas

É difícil falar de “O Mágico de Oz” sem passar pelos bastidores tumultuados. Recentemente, um dos ex-maridos de Garland revelou que a atriz, então com 16 anos, foi molestada pelos atores que faziam os munchkins. Segundo Sid Luft, eles colocavam as mãos para dentro do vestido dela, e achavam que nunca iriam ser pegos por serem pequenos.

O caminho de pedras amarelas realmente foi tortuoso para Garland. Se, em cena, ela estava magnética e criando uma personagem de fato icônica, quando o grito de “Corta!” ecoava pelo set, Judy era vítima de todo tipo de abuso por parte dos homens que a rodeavam. A grande “preocupação” da MGM era com o peso da estrela, e, para que ela surgisse mais magra, se fazia de tudo, e isso incluía até o vestido azul com estampa gingham para dar ilusão de ótica de uma cintura mais fina.

Judy também era “servida” de drogas pelo estúdio para que emagrecesse. Para eles, a dieta que a atriz fazia não surtia efeito, então a “solução” era lhe dar substâncias que lhe cortassem a vontade de comer. Durante as filmagens, chegou a fumar 80 cigarros por dia e tomar um número grande de medicamentos que a ajudassem a não apenas viver Dorothy Gale, mas também a cumprir a extensa agenda de divulgação de “Sangue de Artista” (irônico, não?), um dos títulos mais conhecidos de sua parceria com Mickey Rooney.

Não foi exclusividade de “O Mágico de Oz” esse tratamento absurdo: na indústria do cinema desde os 13 anos, Garland sempre sofreu comparações estéticas com outras jovens estrelas da época. Louis B. Mayer, todo-poderoso da MGM, se referia a ela como “minha pequena corcunda”. Além disso, enquanto estrela juvenil, viveu entre dietas de extrema restrição e uma relação complicada com a mãe, que era rígida e obcecada com o êxito que a pequena Frances Gumm (nome real de Judy) pudesse obter.

Ao longo dos anos, esses abusos deixaram marcas: a depressão, o vício em medicamentos e uma grande solitude, a despeito de quatro casamentos e três filhos (a mais famosa, Liza Minnelli, virou uma estrela tão brilhante quanto a mãe e o pai, Vincente). A morte precoce, aos 47 anos, por overdose de barbitúricos, foi um fim trágico, porém anunciado já quando a jovem Judy era uma menina sonhando com o que havia além do arco-íris.

Talento que encanta até hoje

“O Mágico de Oz” é uma obra atemporal, que toca em temas relacionados às diferenças que nos torna semelhantes, assim como a força dos sonhos, o famoso “querer é poder”. Todos os elementos do filme funcionam de forma a cativar até a criança do século 21 acostumada aos aplicativos e gadgets mais dinâmicos.

Seu brilhantismo, no entanto, não fica restrito à bela trilha, ou à gargalhada inesquecível de Margaret Hamilton ou aos aspectos técnicos que revolucionaram o cinema. Emoldurada pelas cores do Technicolor, há Judy Garland, a dona da voz que torna “Somewhere Over The Rainbow” um canto que mescla melancolia e esperança, a jovem desafiadora que cativa amigos no caminho à Cidade de Esmeraldas e faz a Bruxa Má do Oeste derreter, e a atriz cujo carisma e beleza (que ela acreditava e era levada a acreditar que não tinha) eram porta de entrada para uma versatilidade artística que enchia os olhos tal qual o colorido do mundo de Oz.