Comédia tem que fazer rir. Esse pode parecer um conceito óbvio, mas pelo rumo que as coisas tomaram essa ideia, muitas vezes, acaba ficando em segundo, terceiro plano. Digo isso pelo fato de que o que uma pessoa acha engraçado, outra pode não achar, e é fascinante notar como o que nos faz rir diz muito sobre a nossa percepção e valores.

Algum tempo atrás fiz um texto sobre o momento das comédias brasileiras (que, aliás, não mudou muita coisa de lá pra cá), e a aridez com que as suas tramas são desenvolvidas, utilizando-se das soluções mais pobres como estereótipos envolvendo orientação sexual, classe econômica, machismo, preconceito com nordestinos, além de um estilo cômico calcado em fórmulas gastas, da onomatopeia gritada, e da autoparódia. Há quem goste. Aliás, tendo em vista o resultado que esses filmes alcançam nas bilheterias, pode-se concluir que o brasileiro gosta desse estilo de humor depreciativo. Não à toa que Rafinhas, Gentilis, Lins, Sterblitchs, e tantas outras estrelas do stand up rodam o Brasil falando de gays, negros, nordestinos, pobres, gordas, velhos, e feios, com plateias cheias, que pagam ingresso caro, sendo, em alguns casos, alvos das piadas, e mesmo assim adoram, porque se identificam ao achar graça de uma pessoa menos favorecida.

Mas aí quando vem uma proposta de humor que sugere uma radicalidade de estilo, mas que é diferente do que é comumente visto, do que impõe a moral hipócrita cristã no Brasil, é visto como mau gosto, sujo, não é engraçado.

No fundo, nem se entra no mérito se é ou não engraçado. Apenas se rechaça aquilo que não tem o padrão Globo Filmes/CQC/Pânico de qualidade. A comédia que vai por outro caminho é marginalizada, da mesma forma que o filme de arte, ou aquele trabalho que não entrega com facilidade todas as peças do jogo. É muito difícil dialogar com essa (gigantesca) parcela da sociedade “consumidora” de arte no Brasil, pois são pessoas que estão anestesiadas pela dureza do cotidiano, e assim só se relacionam através da violência e/ou do preconceito.

Dito isso, Vovô Sem Vergonha é uma comédia extremamente bem sucedida no que se propõe, mas infelizmente sofreu preconceito por ser produzida pelo grupo Jackass, e por investir numa radicalidade na sua proposta de se manter fiel às suas necessidades, sem pudores com temas relacionados a nudez e escatologia.

E é uma pena como as coisas acabam se confundindo. Nudez e escatologia não são um problema, pelo menos não deveriam ser vistos assim. Se a história que você desenvolve pede isso, há de se ter coragem e maturidade para encarar o desafio de inserir isso de uma maneira justificada. É diferente do Pânico, por exemplo, que (as pessoas adoram, não veem nenhum problema dentro do seu volátil conceito de moral) usa a nudez e a escatologia por si só, sem haver nenhum tipo narrativa que justifique isso, apenas a utilizam como apelação para imaturos deleitarem-se.

Em Vovô Sem Vergonha conhecemos Irving (Johnny Knoxville), um senhor de idade que acaba de perder a sua esposa, depois de muitos anos de casados. Durante o enterro dela, Irving recebe a visita de sua filha, acompanhada de seu neto, Billy (Jackson Nicoll), ela diz que está com problemas com a polícia, que não pode ficar com o garoto, e que o avô terá que levar o neto até o pai, que mora em outra cidade. Mesmo contrariado, Irving aceita levar Billy, e os dois partem numa longa viagem de carro pelos Estados Unidos, e o seu relacionamento muda com o tempo.

Apesar de toda essa historinha, o diretor Jeff Tremaine deixa claro que a trama é uma farsa, e que o jogo cômico do filme acontece através de câmeras escondidas para captar a reação de pessoas comuns presenciando as situações absurdas protagonizadas por Knoxville e Nicoll, numa fachada de road movie. E o que não faltam são essas situações absurdas, que foram pensadas de maneira certeira pelos seus cinco (!) roteiristas.

O filme escolhe um caminho perigoso, flerta com o mau gosto diversas vezes, mas por manter um olhar “puro”, na medida do possível, não há o que ver de errado. Eles não apontam o dedo para ninguém, nem riem de ninguém desfavorecido. As vítimas das piadas são sempre eles mesmos, os atores do filme, são eles que se colocam em situações embaraçosas para despertar o riso. E ri muito, tanto quanto em outros clássicos como Debi e Lóide (1994) e Borat (2006).

E é claro que muito disso se deve ao trabalho fantástico de Johnny Knoxville, e da revelação Jackson Nicoll. Os dois dominam a cena com autoridade, legitimando o fiapo de trama, tornando-o parte importante da experiência de assistir ao filme, pois acaba funcionando para potencializar as tiradas com câmera escondida. O trabalho de corpo de Knoxville é excepcional, criando uma figura bastante convincente, e acima de tudo faz com que a partitura corporal do personagem cumpra papel narrativo, auxiliado pela ótima maquiagem, indicada a Oscar. E a sua rabugice é sempre inserida na medida certa, dando nuances aquele personagem, demonstrando um cuidadoso trabalho de ator. E a sua química com Nicoll é a mola propulsora do filme, o que torna o filme fora de série. Nicoll mostra-se completamente a vontade no papel de Billy, tem a desenvoltura de um ator experiente, com um carisma raro.

Momentos como o velório, Irving no clube de strippers negros, o roubo no supermercado, e Billy à procura de um pai na rua, são momentos brilhantes de comédia, situações raras de um humor genuinamente engraçado. Mas o ápice, sem dúvida nenhuma, é a “homenagem” a Pequena Miss Sunshine (2006). Nicoll está genial nessa cena, a única em que o foco da piada não são os atores, mas sim aquele universo absurdo dos concursos de beleza infantis, em que espontaneidade parece ser um crime. Momento antológico, que marca o ápice da melhor comédia de 2013.

E o filme ainda nos reserva um momento genuíno de tensão, quando Billy finalmente encontra o pai. Mais uma prova de como o filme leva a sério a questão da sua mise-en-scène, e como o seu elenco estava na sintonia certa para o trabalho.

Vovô Sem Vergonha é mais uma prova do quanto fazer comédia exige técnica e sofisticação, mesmo quando a superfície sugere o contrário. Belíssimo filme, que com certeza vale uma visita.

Vovô Sem VergonhaNOTA: 8,0