Animais que falam e Disney formam uma combinação lucrativa há décadas. E enquanto a Pixar tem mostrado nos últimos 20 anos um fôlego invejável no que tange à criação de histórias distintas e com grande fator “identificação” a crianças e adultos, o estúdio mais tradicional finalmente volta a ter um grande filme de animação fora do filão das princesas. E, ainda que “Zootopia: Essa Cidade é o Bicho” não seja o fenômeno que “Frozen” foi há dois anos, a história da coelhinha que quer ser oficial de polícia é cheia de coração e de carisma.

Mas, vamos deixar as comparações de lado, pelo menos por enquanto. A animação que está nos cinemas agora é uma grata surpresa em um mar de mesmices destinadas ao público infantil. O filme tem como premissa um ambiente onde predadores e presas convivem na maior harmonia. Nesse cenário, temos Judy (dublada por Mônica Iozzi na versão brasileira e por Ginnifer Goodwin no original), a coelhinha que citei acima. Subestimada por conta de seu tamanho, ela embarca em uma investigação que pode lhe garantir o respeito que tanto deseja ter.

Apesar de a premissa não ser lá tão original, sobra frescor em “Zootopia”. O roteiro de Byron Howard e Jared Bush acerta em cheio quando nos liga emocionalmente com Judy, a quem somos apresentados desde a infância. Essa ligação já se estabelece nos primeiros minutos de projeção, quando acompanhamos o treinamento da protagonista na Academia de Polícia, que é quando vemos pela primeira vez o (pouco) tamanho de Judy frente aos outros animais. Não há como não torcer por ela quando a vemos na cidade grande, tão diminuta em uma (quase literal) selva.

A dinâmica estabelecida entre Judy e o outro protagonista, a raposa Nick Wilde (Rodrigo Lombardi na versão brasileira e Jason Bateman na norte-americana) é outro acerto do longa. A dupla formada entre a “mocinha” justa e ética e o trapaceiro também já foi vista inúmeras vezes no cinema, mas isso não prejudica “Zootopia”, até por não haver tensão romântica entre os dois (a biologia agradece).

O humor que pontua essa dinâmica se segue por outros momentos do longa e é o que prende o espectador à história na tela. Mais uma vez, devo elogiar a dupla de roteiristas, que usa as particularidades de cada animal para criar tipos além dos arquétipos. Destaco as preguiças, que são responsáveis por uma das melhores piadas do filme, interrompida na hora certa e repetida com a brevidade necessária para que não haja saturação. As referências feitas a “O Poderoso Chefão” e “Breaking Bad” são divertidíssimas e também têm a duração certeira (a última, em especial, vai divertir os adultos que são fãs da série).

Falando em adultos, há de se reconhecer ainda a maturidade de “Zootopia”. Como falei há alguns parágrafos, uma das características mais pontuadas em Judy é a sua ética. E isso é um tema recorrente na animação, que usa o pano de fundo da cidade que dá título à obra em todo o seu escopo, o que significa que os políticos vão além da figura decorativa.

“Zootopia” é um daqueles filmes que mostra que, mesmo “baleada”, a Disney não está morta e continua produzindo animações de qualidade e com reflexões cada vez mais amplas. Ao mesmo tempo, é reconfortante saber que o principal estúdio de filmes infantis do cinema mundial continua ensinando as crianças a seguirem os seus sonhos e a respeitarem quem não é “semelhante” a elas, por mais brega que essa frase possa ter saído.