Eu sou uma das crianças da tal “geração Disney”. Embora minha “vida de cinéfilo” seja bem mais recente, quando passei a ler mais sobre o assunto, minha relação com o cinema começou mesmo com as animações dos anos 90 da Disney, época do chamado “renascimento” do estúdio. Cresci vendo filmes como A Pequena Sereia, Aladdin e A Bela e a Fera, naquelas fitas VHS alugadas na videolocadora do bairro, cantando a plenos pulmões as músicas. Mas o primeiro deles a realmente me marcar, a ponto de eu obrigar toda e qualquer visita a assistir comigo, segundo minha mãe conta, foi sem dúvida O Rei Leão – e é justamente por conta disso o inevitável tom mais pessoal deste texto.

Felizmente, ao contrário de outras produções do estúdio que se revelaram bem problemáticas quando decidi revê-las depois de muito tempo (sim, Mogli, estou falando de você), O Rei Leão, mesmo passados 20 anos, continua sendo uma das animações que mais me toca, a cada revisita que faço. Parte da culpa é da nostalgia que envolve a obra, claro; muita gente da mesma geração que eu ainda chora ao ver a morte de Mufasa, e sabe a letra de Hakuna Matata de cor. Mas é inegável que a história de Simba tem uma série de qualidades que a ajudaram a se consagrar como um dos maiores clássicos da Disney até hoje.

Afinal, apesar de ser protagonizado por leões, hienas, javalis e outros animais da savana, O Rei Leão trata essencialmente de uma história tradicional de amadurecimento, em que o herói precisa aprender a lidar com suas responsabilidades. É o primeiro roteiro original produzido pela Disney, embora a óbvia referência a Shakespeare permeie a trama: assim como em Hamlet, Mufasa é traído pelo próprio irmão, Scar, em seu plano para usurpar o trono. Simba deve, portanto, enfrentar o tio para ocupar seu lugar de direito e reestabelecer a paz nas terras do reino. No caminho, ele comete erros, mas aprende com eles e retorna fortalecido.

Um conto sobre deixar a infância e enfrentar os problemas e a realidade do mundo, inclusive a morte, poderia ser ousado em se tratando de um filme infantil. No entanto, os produtores escolheram assumir os riscos. Para atrair o público, uma das primeiras decisões foi adaptar a história aos moldes dos musicais da Disney, e para isso o compositor Tim Rice, que já havia trabalhado em A Pequena Sereia e Aladdin, chamou Elton John, que trouxe sua experiência de música pop para as canções do projeto. Além disso, o roteiro escrito a seis mãos por Linda Woolverton, Jonathan Roberts e Irene Mecchi (e revisado inúmeras vezes) encontrou uma maneira de dar ritmo à narrativa ao conciliar as passagens mais dramáticas com cenas de alívio cômico e números musicais bem concatenados. Daí surgiram personagens memoráveis como Timão e Pumba, que roubam a cena e trazem a energia necessária para compor o tom familiar do filme. São eles que protagonizam momentos inspirados, incluindo uma pequena quebra da quarta parede.

A clara evolução técnica em relação à época ajudou na composição desses personagens. A equipe de artistas, desenhistas e técnicos envolvidos estudou movimentos de animais de verdade como referência para a animação, assim como havia sido feito em Bambi, décadas antes. O uso de novos softwares também foi fundamental para permitir inovações como a fatídica sequência da debandada dos gnus, que, apesar de ter pouco mais de dois minutos e meio de duração, levou mais de dois anos para ser concluída.

E são cenas justamente como essa que até hoje permanecem na memória de quem cresceu com o filme. Nesse sentido, O Rei Leão representa um triunfo que alia aspectos técnicos e narrativos. Se por um lado algumas sequências podem soar superficiais hoje em dia, o tom épico da produção está presente em cada detalhe: na animação, na trilha sonora de Hans Zimmer e Lebo M. (especialmente na dita cuja cena dos gnus), nos números musicais, na concepção de personagens. O elenco de dubladores da versão original, aliás, conta com nomes como James Earl Jones (a voz do Darth Vader, agora como Mufasa), Jeremy Irons (Scar), Whoopi Goldberg (Shenzi) e Matthew Broderick (Simba), por exemplo. Irons especialmente se destaca na pele de Scar, empregando um tom cínico, sarcástico e, por vezes, ameaçador – e que ganha mais expressividade ainda na voz de Jorgeh Ramos na dublagem brasileira, figurinha conhecida por dublar outros vilões marcantes como Jafar, em Aladdin, e Rasputin, em Anastasia.

Apesar de algumas polêmicas, como as acusações de plágio do anime Kimba, o Leão Branco, de Osamu Tezuka, e o maniqueísmo óbvio na figura de Scar – o vilão que, coincidentemente, é o único leão negro de toda a savana –, todo o apuro envolvido na produção se converteu em sucesso e hoje representa um dos pontos mais altos da fase do renascimento da Disney. Não é à toa que o filme rendeu uma das maiores bilheterias do estúdio, ganhou dois Oscars e ainda virou musical da Broadway, além de originar duas sequências bem aquém do original.

Afinal, O Rei Leão representa lições de vida que muitas das crianças da época lembram até hoje – aliás, é principalmente quando as responsabilidades da vida adulta chegam que dá vontade mesmo de adotar a filosofia de desapego de Hakuna Matata e viver como Timão e Pumba. Mas se tem uma coisa que a moral do filme deixa bem claro é que é preciso assumir nosso lugar no “ciclo da vida” e, assim como Simba, enfrentar os obstáculos que surgirão. Permanecendo como um dos grandes clássicos da Disney, O Rei Leão ainda conserva o que tinha de melhor na época, e vive na memória afetiva de quem cresceu acompanhando a trajetória de Simba e sofreu o trauma de ver Mufasa morrer. De qualquer forma, para os momentos em que se sente o peso nos ombros, Hakuna Matata sempre estará por perto para alegrar e relembrar a magia do desenho visto na infância.