Há filmes que parecem feitos sob medida para serem exibidos em sala de aula, numa daquelas aulas extra de História em que você se vê obrigado a assistir ao filme do assunto da vez. Nem sempre isso é sinônimo de qualidade – haja documentários duvidosos ou extremamente didáticos por aí –, mas, às vezes, algumas obras conseguem aliar um alto nível de excelência artística com um fim educacional, e A Lista de Schindler é um desses casos.

O diretor Steven Spielberg já declarou em entrevistas que um dos seus principais objetivos com o filme foi, especialmente, didático. Além de retomar suas próprias raízes judias, o cineasta viu na história de Oskar Schindler, o industriário alemão que salvou a vida de 1.200 judeus ao empregá-los em suas fábricas durante o Holocausto, a oportunidade de recontar um período obscuro da História, para que este nunca mais se repetisse. Inicialmente, o projeto foi oferecido a nomes como Roman Polanski (que depois faria seu próprio filme sobre o tema, O Pianista) e Martin Scorsese, uma vez que Spielberg não se sentia maduro o suficiente para contar a história, mas, por fim, acabou assumindo as rédeas do filme.

Vinte e cinco anos depois de seu lançamento e sua consagração no Oscar de 1993, consolidando a carreira de Spielberg para além de um diretor de blockbusters (Tubarão, Jurassic Park e E.T. já constavam em seu currículo), A Lista de Schindler mostra-se ainda necessário num mundo que, ao contrário do que Spielberg esperava, parece só piorar em vez de melhorar. Afinal, quem diria que em pleno 2018 teríamos que lidar com negadores do Holocausto e novos grupos neonazistas surgindo por aí?


O impacto

Sim, A Lista de Schindler não foi o primeiro filme sobre o Holocausto e nem é o “longa definitivo” sobre o tema. O documentário Shoah (1985), de Claude Lanzmann, por exemplo, já tinha destrinchado a história de sobreviventes e testemunhas ao longo de nove horas de filme, e foi inclusive uma das inspirações para Spielberg, bem como outras obras já tinham se voltado antes sobre o assunto. O que destacou o filme do diretor americano, porém, foi o fenômeno que se criou em torno dele, ao se tornar sucesso tanto de crítica quanto de bilheteria.

Aí reside o trunfo do longa: em seu épico de pouco mais de três horas de duração, Spielberg construiu uma espécie de “introdução ao Holocausto” para todos os desavisados da História. Para o grande público, era a primeira vez que o massacre do povo judeu era retratado nessas proporções.

Com uma fotografia em preto-e-branco e uma câmera na mão quase documental, o diretor buscou retratar os horrores da época, e consegue escapar (quase totalmente) do sentimentalismo presente em seus filmes. A longa sequência do dia da “liquidação” do gueto de Cracóvia, por exemplo, acompanha por mais de dez minutos um mundo sufocante de matança e perseguição, além das várias cenas de judeus descartados com tiros na cabeça ao longo de toda a história, seja por pura diversão, seja fazer seu trabalho. Enquanto isso, a recriação de cenários em sets gigantescos e as escolhas estéticas colaboram para o realismo do filme. O elenco também cumpre seu papel como um dos elementos-chave para a história, seja com o carisma de Liam Neeson, o trabalho excepcional de Ben Kingsley ou a maldade intrínseca ao personagem de Ralph Fiennes.

Nem tudo é perfeito no épico de Spielberg, claro – se o sentimentalismo não aparece na maior parte do filme, ele vem com tudo na cena final da despedida de Schindler, quase fetichizando a “conversão” do personagem –, mas a tessitura feita pelo diretor é importante para expor seus objetivos ao público.


O legado

Em uma entrevista para o The Hollywood Reporter em 2013, Steven Spielberg declarou que “a vida útil de ‘A Lista de Schindler’ renovou minha fé de que filmes podem fazer um bom trabalho no mundo, mas cabe às pessoas permitir que essas imagens sejam impressionáveis, durem e que elas façam algo a respeito”.

Nesse ponto, o legado de A Lista de Schindler foi além das conquistas do próprio filme: o sucesso levou Spielberg a criar a Fundação Shoah, por exemplo, uma ONG voltada a montar um arquivo de testemunhos filmados de sobreviventes do Holocausto, a fim de manter essas histórias vivas. Desde 1994, segundo a instituição, mais de 51 mil entrevistas já foram gravadas e estão disponíveis numa plataforma para estudantes.

A despeito de ser ou não o melhor filme sobre o período, o longa conseguiu atingir sua meta de espalhar uma determinada mensagem e assim ser o veículo definitivo para os ideais de Spielberg. Ainda em 1994, por exemplo, a historiadora Annette Insdorf, em um simpósio, expressou gratidão pela obra, uma vez que sua mãe, sobrevivente de três campos de concentração, considerava essa a primeira vez que um grande filme contava a história do Holocausto para um público de alcance internacional.

Em tempos de uma América dominada por Trump e um cenário geopolítico global cada vez mais instável, a mensagem de A Lista de Schindler é essencial, especialmente ao lembrar de uma coisa: mais do que o humanitarismo de “grandes homens” como Schindler, é através das pessoas como um todo que se perpetuam as ações – para o bem ou para o mal.