Cinema e literatura bebem de fontes similares, mesmo que, algumas vezes, como amantes de livros e da sétima arte, não consigamos aceitar muito bem o resultado da adaptação. Dito isto, é interessantíssimo notar o quanto a literatura amazonense é rica e traz, em suas temáticas e construção, particularidades da região, que dificilmente seriam aproveitadas por outros processos artísticos. Por isso, é tão bem vinda este tipo de união quando ocorre.

Inspirado no conto “Pio Ofício” do escritor amazonense Carlos Gomes, Thiago Morais o adaptou livremente na produção de seu TCC no curso de Tecnologia em Produção Audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas. Intitulado “A Estranha Velha que Enforcava Cachorros”, o curta-metragem retrata a relação entre um homem e uma beata. Tudo isso envolvendo a religiosidade e o imaginário fantástico que permeiam a região amazônica.

O apego ao conto acaba por prejudicar a construção da trama. Não apenas pelo uso excessivo da narração – há momentos em que apenas a imagem conseguiria já repassar com êxito a mensagem da obra. O maior problema reside na falta de organização do monólogo do protagonista que, desde as primeiras palavras, deixa evidente a fonte da qual o roteiro bebeu. As palavras do protagonista são excessivamente literárias e, portanto, para uma obra audiovisual, se tornam inverídicas e distantes do público.

Outro ponto que não soma com a obra é a cenografia, especialmente o posicionamento dos figurantes. Se, no primeiro momento, a câmera se apresenta fechada, no enquadramento em que ela está mais aberta e pode se contemplar a rua, os figurantes soam sem naturalidade, robotizados pela situação. Em contrapartida, as três mulheres que pedem “esmolas para São Sebastião” estão ótimas em cena. Bem fotografadas, a montagem também auxilia a criar o imaginário e a regionalização em torno delas, especialmente a neta da senhora que enforcava os cachorros.

É difícil perceber o motivo que alimenta o incômodo do rapaz com a senhora, entretanto, este não parece ser o grande motor da obra, que procura evidenciar, e o faz bem, como a situação o inquieta. Isso acaba por destacar e aproximar da ideia de como flui o imaginário na Amazônia: muito próximo da religião, das tradições e superstições.

Vale destacar a qualidade do trabalho de som do curta-metragem superior a outros projetos da região. A trilha sonora devidamente se apresenta em momentos que criam tensão e suspense na platéia. Os diálogos estão sonoramente entendíveis e assimiláveis, o que mostra o êxito deste aspecto técnico.

Thiago Morais cria uma obra que, apesar de seus deslizes, consegue aproveitar a literatura local e retratar o apego à religião e ao imaginário que permeiam a Amazônia.