Imagine o cenário: Alemanha, 1918, fim da Primeira Guerra Mundial. Derrotado, o até então império assina o Tratado de Versalhes, que lhe tira vários direitos e faz com que se responsabilize pelos danos causados com a guerra. Com territórios perdidos para outros países europeus e uma crise financeira aguda, o momento é cinza.

E, assim como foi décadas mais tarde com a Itália e o neorrealismo, esse período de incerteza e crise originou um movimento que marcaria a história do cinema. Naquela altura, o expressionismo não era bem uma novidade. A escola de vanguarda já tinha seus “filhotes” nas artes plásticas, literatura, teatro, entre outros segmentos.

o gabinete do dr caligari expressionismo alemãoApesar de ter aderido ao movimento de vez após a guerra, o cinema já dava seus ensaios expressionistas na cinza Alemanha. “O Estudante de Praga” (de Paul Wegener, que ainda nos traria “O Golem”) e “O Outro”, ambos de 1913, já mostravam o que poderia vir, com escapismo e exagero – duas características fundamentais do cinema expressionista.

No entanto, foi logo depois do último suspiro da Primeira Guerra que foi às telas o primeiro grande clássico expressionista. “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) tem toda a estética que caracterizou o movimento, com distorções, maquiagem que grita na nossa cara e os já citados escapismo e exagero. Dirigida por Robert Weine, história do hipnotizador e do seu sonâmbulo que assusta (para não dizer outra coisa) frequentadores de feiras e festivais é citada em várias listas de “filmes-essenciais-para-a-existência-do-cinéfilo”. “O Gabinete…” também é fundamental porque ajudou a inaugurar o gênero terror, além de, é claro, seu final impactante.

Outro título importante chega em 1922. Rebatizado após a recusa da viúva de Bram Stoker, que não autorizou a adaptação de “Drácula” pelas mãos de F. W. Murnau, “Nosferatu” conta a mesma história do vampiro que mais tarde seria vivido por Bela Lugosi e Gary Oldman. Aqui, mudam os nomes e alguns aspectos da trama. O resultado exitoso se deve muito à persona do ator que interpretou o ‘Conde Orlok’. Até hoje, ninguém sabe que fim teve Max Schrek e se a atuação dele foi tão convincente porque… bem… há boatos de que ele realmente era um vampiro. Lendas urbanas à parte, “Nosferatu” traz personagens macabros (ponto para o time de maquiagem e caracterização), universo onírico e toda aquela teatralidade do movimento. Como se já não fosse o suficiente, ainda termina desconstruindo um mito bem popular sobre os vampiros.

metropolis fritz lang expressionismo alemãoE se “Caligari” e “Nosferatu” marcaram época no gênero horror, a ficção científica – ainda um bebê no cinema – teve vez com “Metrópolis”, a ambiciosa ópera distópica que Fritz Lang lançou em 1927. Nesse filme, as máquinas dominavam o homem em um reflexo dos conceitos da Revolução Industrial que veio quase uma década antes de “Tempos Modernos” e o olhar tragicômico de Charlie Chaplin sobre o tema. Em “Metrópolis”, Lang usa um romance ‘interclasse’ para acentuar a crítica aos valores capitalistas. Outro ponto importante do expressionismo. Lembremos que estamos no pós-guerra e que não havia muito a se fazer em um período de crise senão usar a arte para protestar, mesmo que de forma velada.

Temas mais pesados também são recorrentes no expressionismo. Neste sentido, há que se destacar “M – O Vampiro de Dusseldorf”. Lançado em 1931 e também dirigido por Fritz Lang, o filme fala sobre um assassino de crianças. Vemos ali mais uma crítica social e mais uma construção perfeita do expressionismo. Não há como não sentir medo ao ouvir os assovios – desafio você a assistir uma certa cena de “A Rede Social” e não lembrar de “M” – que anunciam a presença do assassino, ainda que Lang não nos mostre o personagem de cara. Os calafrios são ainda maiores quando descobrimos se tratar da história real de Peter Kuerten, um serial killer que ficou conhecido como… “O Vampiro de Dusseldorf”.

O expressionismo segue firme e forte até 1933, quando temos a ascensão de um baixinho – curiosamente cinéfilo -, cujo talento “especial” para discursar em público pôs Alemanha e o mundo de cabeça para baixo. É só chegar em Hitler que o movimento expressionista para. No entanto, o cinema continua durante a ditadura nazista, de uma forma não menos interessante e que merece um capítulo todo seu. Aguardem os próximos episódios.