As experiências de Drauzio Varella no sistema prisional de São Paulo ganharam um novo capítulo. Nesta quinta-feira (26/08), será lançado “Encarcerados”, documentário de Claudia Calabi, Fernando Grostein e Pedro Bial, baseado no livro “Carcereiros”, lançado por Dráuzio em 2012. A obra literária também é base para uma série e um filme de ficção de mesmo nome. Em entrevista coletiva sobre o doc, a equipe explicou que todas essas obras “se retroalimentam”.
Fernando conta que o berço do projeto foi o documentário “Quebrando o Tabu”, dirigido por ele. Lançado em 2011, o filme aborda a problemática das políticas de combate às drogas. “Fiquei com necessidade de conhecer a penitenciária e foi, então, a primeira vez que entrei em contato com o Drauzio. A partir daí, eu fiquei com vontade de me aprofundar no tema e conheci o trabalho dos agentes penitenciários, que tinham um grupo de teatro que estava desativado”, lembra.
Junto a Claudia Calabi, codiretora de “Encarcerados” e parceira em diversos projetos ao longo da carreira, Grostein ajudou a reativar o grupo de teatro. A partir daí, o contato com Drauzio acendeu neles o interesse de contar as histórias dos agentes e, segundo o diretor, foi natural pensar em um trabalho nesse sentido junto à Gullane Entretenimento, produtora responsável por projetos como “Carandiru”, filme de 2003 dirigido por Hector Babenco e baseado no best-seller “Estação Carandiru”, de Varella.
BIAL VERSÃO DOCUMENTARISTA
Paralelo a isso, Pedro Bial também via – em suas próprias palavras – “um terreno a ser explorado no audiovisual” com o livro lançado por Varella em 2012. O médico colocou o jornalista em contato com Fernando Grostein e Claudia Calabi.
“O meu papel como jornalista ficou no bolso. Eu estava ali com o Fernando e a Claudinha, como um diretor de documentário. É um pouco diferente a aproximação, a abordagem que um jornalista faz de um documentarista, que é primordialmente autoral, (e ele) se preocupa não apenas em informar, mas, em propiciar uma experiência para o espectador. Nós estamos ali buscando contar a história dos carcereiros, mas como se fosse do ponto de vista deles”, explica Bial.
“Por mais que se esforcem os jornalistas, nós padecemos de uma condição do ser humano, que é chegar já com juízo de valor no piloto automático para entender ou explicar alguma coisa. Quando você pega um médico como o Drauzio, você percebe que (nos livros dele) há uma exposição que transcende o juízo de valor, e isso nós temos muito a aprender como contadores de histórias”, resume o jornalista.
CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA
A relação já em construção com os agentes ajudou o trio na produção. Antes de filmar, por exemplo, os diretores diziam que iam ligar a câmera e que, quem não quisesse aparecer, não precisaria.
“Muitas coisas fizeram diferença para conquistar (a confiança deles), (como o) fato de estarmos envolvidos com alguns agentes desde o ‘Na Quebrada’. O Fernando fez (aquele) filme com muita responsabilidade e eles perceberam que tinha um comprometimento. Essa confiança foi sendo construída, tinha o respeito de dizer: ‘o que você está disposto a falar? Em que contexto?’. (Teve o) comprometimento de botar blur [embaçar] no rosto de todo mundo”, recorda Claudia.
Quando o filme ficou pronto, o trio mostrou as imagens para os agentes que participaram do processo de uma maneira mais próxima. “Perguntamos se estava coerente. A gente foi muito transparente com eles”, afirma a diretora, lembrando de Roney Nascimento, que morreu de Covid-19 no ano passado – “Encarcerados” é, inclusive, dedicado a ele.
“O Roney foi parte fundamental não só no documentário, mas na pesquisa. Ele foi o meu Adriano (personagem interpretado por Rodrigo Lombardi na série e no filme ‘Carcereiros’). A gente tem muito a agradecer a ele por todo o processo, por todos os produtos que saíram desde a pesquisa”
DISCRIÇÃO DE DRÁUZIO
O apoio de Drauzio na pré-produção foi fundamental nesse sentido. O médico, no entanto, deixa os créditos para os realizadores. “(Os agentes são) funcionários públicos e passam o tempo todo preocupados com o que vão dizer. (Os diretores) souberam ganhar a confiança (dos agentes). Isso não é fácil. Lógico que eu pude ajudar, mas (só isso) não basta. É importante que eles sintam essa confiabilidade, (e só assim) você pode conseguir os depoimentos que conseguiram no filme”, ressalta.
E o que ele achou da obra? Drauzio reforça que o livro “Carcereiros” foi escrito a partir da admiração pelos personagens, tanto pelo trabalho que eles fazem quanto pela contradição que vem com a expectativa da sociedade.
“Eu tenho o hábito de não me intrometer (nas adaptações). A direção, a narrativa, a forma como a história será contada não é mais de quem escreve. Eu vi um copião do documentário que o Fernando me mostrou no início. Eu adorei. Ali está o livro. É lógico que, quando a gente reconhece o livro que escreveu, dá uma sensação boa de ver o que a gente escreveu transformado em outra linguagem. Se juntaram as pessoas certas para fazer esse documentário”