Podemos filosofar anos sobre o que é humor, o que é ser engraçado, o que nos faz rir. Uma definição de dicionário nos diz que o riso vem a partir de uma quebra de uma linha contínua, é o elemento que ressignifica, modifica uma trajetória pragmática, que nos surpreende. Isso pode vir desde ao andarmos na rua vermos um homem que tem uma maneira esquisita de andar, até a ler um texto rebuscado de um Luís Fernando Veríssimo, Woody Allen.

Mas, como cada pessoa tem uma maneira própria de enxergar aquilo que nos rodeia, o que pode ser um elemento surpreendente pra um, pode não ser para outro, evidentemente, e para outra parte, o elemento surpreendente pode não ser suficiente para causar o riso.

Partindo desse pressuposto, é natural que não haja unanimidades na comédia (aliás, não só na comédia, mas já estou divagando). As suas experiências de vida, o convívio com as pessoas próximas, a cultura de onde veio, as condições de orientação sexual, raça, gênero, tudo isso interfere no que te faz ou não rir.

Com cada vez mais vozes e menos filtros, conteúdos não-ortodoxos vem ganhando visualização e notoriedade nos meios de comunicação próximos a nós, o que acabou contribuindo para a expansão de uma vertente de conteúdo cômico: o politicamente incorreto.

Esse é outro assunto que rende discussões de anos, mas aqui gostaria de me ater ao trabalho de um intérprete específico, o ator britânico Sacha Baron Cohen.

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O comediante já era conhecido na televisão britânica ainda no final dos anos 1990, e o seu primeiro personagem de sucesso foi o rapper Ali G. O contato inicial com um público maior veio através da sua participação no videoclipe de Music, da cantora Madonna, em 2000. No mesmo ano, o ator criou o Da Ali G Show, um programa de TV que 3 anos depois foi exibido pela HBO, nos Estados Unidos. Deste show veio os personagens que fariam Cohen se tornar conhecido no mundo inteiro.

A consagração veio com Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (2007). O filme que conta a história de um repórter do Cazaquistão – antissemita, machista, misógino, racista, homofóbico – que viaja aos EUA para aprender os costumes do local, mas que no meio do caminho se apaixona por Pamela Anderson e vai atrás da atriz para casar-se com ela, fez enorme sucesso no país norte-americano, e lançou Cohen ao estrelato, rendendo um Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia ou Musical e uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, ambos em 2007.

Dois anos depois, o último personagem de Cohen do Da Ali G Show a ganhar um filme solo era o jornalista, modelo e apresentador austríaco Brüno Gehard. Daí surgiu Bruno (2009).

Cohen novamente criou uma figura cheia de preconceitos e com uma visão extremamente reducionista e estereotipada da sociedade, para abaixar a guarda das pessoas “reais” que ele vai encontrando pelo caminho, que ao verem uma figura tendo opiniões absurdas sobre diversos assuntos, sentem-se mais à vontade para expor os seus preconceitos e opiniões polêmicas.

Só que ao contrário do que acontece em Borat, aqui as coisas vão para um lado ainda mais agressivo e aparentemente sem a mesma contundência nos comentários sobre xenofobia, antissemitismo, homofobia, machismo e etc. Enquanto que o filme do repórter cazaque busca explorar o ridículo do americano tradicional preconceituoso, Bruno parece buscar o riso do choque, do pavor.

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Depois de ser demitido do seu programa de TV por causar uma série de problemas em um desfile de moda, Bruno tem como objetivo ir para Los Angeles se tornar a maior estrela gay de cinema desde Arnold Schwarzenegger, e para isso faz de tudo para ficar famoso. Apresenta pilotos de programas de TV, participa como figurantes de séries, e nada dá certo. Com o passar do tempo, ele vai tentando ficar famoso por métodos diferentes, mas sempre causando situações muito embaraçosas, desde tentar gravar um vídeo de sexo com um político, até insultar um terrorista (real) falando mal de Osama Bin Laden.

Sem dúvida nenhuma Borat é mais nobre e tem uma função mais importante como comédia que Bruno. Mas o ponto é que Cohen parece ter sido colocado num patamar com Borat que ele nunca quis estar, que era o lugar de estrela de cinema, ator premiado, famoso, que tira fotos e dá entrevistas a revistas de fofoca. Parece-me que mesmo que os dois filmes tenham uma metodologia bastante semelhante – um mockumentary dividido em esquetes curtas, contando com a reação de pessoas que não sabiam exatamente sobre o que se tratava o filme – é incompatível compará-los de uma maneira implacável, pois aqui parece o filme de um ator que quer deixar claro que não vai deixar ninguém etiquetar os seus trabalhos posteriores, e que ignora qualquer tipo de “responsabilidade extra” que o sucesso tenha tido a pretensão de trazer.

O comentário sobre as futilidades cometidas pelas celebridades instantâneas para alcançar fama a qualquer custo está presente, e para isso Cohen e o diretor Larry Charles criam um filme calcado em ações fúteis de um personagem imbecil e claro, fútil. Eles entendem que precisam se manter fiéis a essa personalidade se querem realmente propor alguma radicalidade na abordagem.

E realmente não há como negar que Cohen vai ao limite dos seus conceitos cômicos para executar as situações determinadas pelo seu personagem, buscando experimentar métodos arriscados e não-ortodoxos para realizar a sua comédia, colocando-se em risco de diversas formas diferentes.

A questão é o gosto pessoal de cada um. Enquanto que há plateias que compreendem o estilo do ator, e são mais compreensivas com o seu método, há quem ache que Cohen quer holofote, que apela, buscando o choque como um efeito fácil para atrair atenção aos seus trabalhos, e por conta de tudo isso, não acham engraçado o resultado final.

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Acho que Cohen pode ser vaidoso, mas duvido que seja um oportunista. Em Bruno suas ideias são ousadas, mas seguem uma linha própria que torna justificável suas atitudes. Entendo que tem que haver respeito por quem assiste, mas o respeito também tem que existir para aquele que quer executar o seu fazer artístico da maneira que entender.

Comediantes são menosprezados há muito tempo, e normalmente são colocados como artistas menores muitas vezes sofrendo desconfiança pelos maus exemplos de profissionais menos capacitados. O tal politicamente incorreto é uma ferramenta nociva quando utilizado para corroborar o status quo, pra ofender e desrespeitar minorias, e para demonstrar a insatisfação de privilegiados. Bruno pode exagerar em algumas situações, mas não comete nenhum desses crimes.

Podemos questionar diversas cenas, como as sequências de sexo com o namorado, Diesel, logo no início do filme; A maneira como o congressista Ron Paul é constrangido ao Bruno tirar a roupa em um quarto, sugerindo uma relação sexual; O piloto do programa apresentado para algumas pessoas que, dentre outras coisas, tem um plano-detalhe de um pênis que fala; Ou na cena em que ele acampa com um grupo de caçadores, assediando-os enquanto dormem. Mas ainda assim, ninguém é tão exposto quanto o próprio ator! Ninguém corre mais riscos, ou é mais humilhado do que o próprio intérprete.

Ainda assim, Bruno não é totalmente irresponsável e inconsequente. Sequências como as entrevistas com pais que aceitam qualquer condição para que os seus filhos ganhem algum pequeno momento de fama; o encontro com um pastor que “cura gays”; e a sequência no evento de MMA, em que todos exibem de maneira efusiva o seu orgulho por serem heterossexuais, além de hilárias (tive quase ataques de riso nessa última), mostram que a crítica ainda permanece viva e presente, mesmo que colocada com menos intensidade.

Chico Anysio dizia que os únicos tipos de humor que existem são o engraçado e o não engraçado. As questões que podem e devem estar presentes na comédia estão subordinadas à busca do riso. Bruno é bem sucedido por entender o que quer, e por ser um trabalho extremamente disciplinado e rigoroso, que nos arranca o riso por conta de um intérprete muito talentoso que possui um domínio raro de comédia.

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O “resto” é o limite de cada um.