“Batman vs Superman” estreou em março de 2016, seis anos atrás. Para se ter uma ideia do quão longínquo estamos daquela época, o filme de Snyder estreava antes mesmo do governo Trump ter iniciado nos Estados Unidos. Uma coincidência, se levarmos em conta os picos de polêmicas que estavam para acontecer naquele mandato serem, parecidas, até demais com o plot do filme.

Apresentando um Batman mais velho e cansado, a ideia era finalmente fazer o encontro entre os dois maiores símbolos da DC Comics  e – obviamente – pavimentar um universo cinematográfico com os heróis. Algo que pudesse rivalizar com a Disney/Marvel, mas que, em nenhum momento, se comprometeu a replicar o mesmo tom. Tal decisão pode definir parte de uma frustração injusta que “Batman vs Superman” sofreu em seu lançamento. A expectativa era alta demais.

UM BATMAN DESILUDIDO

”A febre, a raiva, a sensação de impotência.. que torna homens bons em cruéis”.

Os primeiros minutos apresentam Ben Affleck na pele do vigilante de Gotham. Em uma narração em off, Bruce Wayne conta sua história: ‘Houve uma época. Uma época anterior, onde as coisas eram perfeitas. Realmente perfeitas. Mas as coisas caem. Caem na terra – e tudo o que cai… fica no chão.’

Snyder definiu em poucas palavras a abordagem do herói. Retratar uma versão desiludida e largada do próprio código moral era a ideia que soava parecida logo após a trilogia de Christopher Nolan. O diretor também não prometeu seguir a  conhecida ética que o personagem moldou ao longo dos anos, se aproximando de uma versão realista do violento “Batman”, de Tim Burton.

Novamente a morte dos pais de Bruce Wayne é mostrada em tela – agora de forma frontal, explícita e utilizando o típico slowmotion de Snyder ao som de Hans Zimmer e Junkie XL. Tudo isso para dar o peso preciso sobre a dor do personagem. A melhor versão que o cinema já viu desse momento, terminando nas últimas palavras do Wayne pai ao dizer ‘’Martha’’.  A icônica frase que define – tanto para os que odeiam, quanto para os que amam o longa de Snyder. Um foreshadowing executado e bem pensado.

OS RISCOS ACEITOS POR SNYDER

Pode-se acusar Snyder de tudo, menos de ser um diretor sem personalidade. Enquanto fomos bombardeados com dezenas de filmes de super-heróis que abraçavam o fanservice como principal motor de combustão, os três longas dirigidos pelo diretor tornaram-se uma das discussões mais relevantes dentro desse gênero. Justamente por ter feito escolhas que iriam ser motivo de sua perseguição nos anos seguintes – e Snyder sabia bem o preço que iria pagar.

A ideia de fazer de “Batman vs Superman” uma representação máxima de super-heróis habitando a América (às vésperas de governo Trump) apenas legitima a escolha de Zack Snyder por riscos.

O vilão é um corporativista que usa da influência para infiltrar-se em operações especiais no exterior, contrabandear minerais, influenciar campanhas e buscar acesso diante de processos sigilosos do Estado – isso para não mencionar, sua posição de herdeiro e o trauma paterno (mencionado várias vezes na trama). A definição dos personagens do Snyderverso.

Batman é visto como um vigilante mascarado que ceifa o destino de criminosos e recebe o aval da polícia norte-americana (a versão Ultimate deixa mais explícita essa relação). Daí, partindo do estado psicológico em que se encontra esse ”herói” desiludido, BvS quer também ceifar o destino de Superman pelas mãos de uma América dividida, que não o aceita totalmente como herói ou figura messiânica.

As sequências ilustradas por programas televisivos que debatem a presença do Superman perante o mundo (incluindo a presença de Neil deGrasse Tyson) se fazem como o ápice dessa visão obcecada em trazer discussões para um gênero que, inevitavelmente, há de executar premissas previsíveis: união dos heróis, vilão em comum, terceiro ato apocalíptico.

Apesar dos diferentes dilemas, Snyder encontrou nos daddy issues de seus personagens o denominador comum para decretar a alma de sua passagem com os personagens da DC. “Homem de Aço” apresentava uma relação complexa entre Jonathan e Clark Kent, embora o trauma da morte de seu pai não deixe de ser a principal razão de sua evolução como um ninguém para tornar-se um guerreiro.

O Snyder Cut, ampliava a mesma noção nos arcos dos demais personagens de sua “Liga da Justiça”, utilizando Victor Stone/Ciborgue para sacramentar sua visão.

Ultimate Cut, a versão definitiva da obra de Zack Snyder

A versão para o cinema de “Batman vs Superman” sofreu devido a uma edição frenética demais e cenas primordiais para o enredo, que acabaram sendo retiradas pela Warner. Snyder nada pode fazer, pois não estava responsável pelo corte final. 

Disponível no HBO MAX, o Ultimate Cut de “Batman vs Superman” apresenta 30 minutos de cenas deletadas da versão de cinema. As cenas envolvendo as investigação de Lois Lane na África e os planos de Lex Luthor encontram-se em sequências mais coesas dentro da montagem do longa, incluindo também as cenas de Clark Kent investigando as ações de Batman. O enquadramento 4:3 (próximo ao IMAX) surge nas cenas de ação, como por exemplo no Knightmare, salientando uma dinâmica melhor quando os personagens precisam se tornar action figures ou planos totalmente retirados dos quadrinhos.

Em uma das cenas, ao encontrar a ex-esposa de um traficante capturado pelo Batman – e que acabara sendo morto na cadeia – há o indispensável contraste em ver como o vigilante recebe apoio da própria polícia, enquanto Superman segue sendo levado a tribunais.

Diante de tantas produções que mal conseguem segurar o hype até o próximo filme da mesma marca, o filme de Zack Snyder continua sendo um convite a experimentar um universo onde ”fidelidade” (há controvérsias), tom e o convencionalismo do gênero são, algumas vezes, sacrificados em prol da visão do diretor.

Ainda que questionável falar sobre um longa que escolhe trabalhar versões niilistas e desiludidas dos maiores heróis de todos os tempos, o próprio debate perdurou tempo suficiente para deixar claro que Zack Snyder segue sendo um dos poucos autores que encontraram presença diante de uma era tão marcada pelo fordismo da Marvel Studios. Um diretor que estava disposto a não abaixar a cabeça por decisões de produtores e executivos.