Interessante como alguns filmes não são excepcionalmente bons, mas são extremamente emblemáticos. Seja pela direção acertada ou pelo caráter profético que sua temática adquiriu com o tempo, “Bye Bye Brasil” entra nessa categoria de filme. Sua estrutura narrativa é linear, simples e tão direta quanto os personagens que nela são apresentados, além de ser totalmente alinhada ao que se convenciona perceber como o gosto popular do público brasileiro. O que seria uma receita de filme esquecível é justamente o seu maior trunfo.
Antes de explicar a razão de o filme equilibrar sua faceta “povão” com a qualidade, vamos à trama. Em “Bye Bye Brasil”, acompanhamos a Caravana Rolidei, trupe de artistas que percorre diversas cidades do país. Liderada por Lorde Cigano (José Wilker, fantástico!) e Salomé (Betty Faria), a caravana escolhe lugarejos que não são dominados ainda pelas “espinhas de peixe”, ou seja, pelas antenas das televisões, a novidade do momento que rouba o público de outras atrações. Numa dessas cidades, unem-se a Cigano e Salomé o casal Ciço (Fábio Jr.) e Dasdô (Zaira Zambelli), o que mais tarde gerará uma espécie de “quarteto amoroso” na trama, à medida que eles se dirigem ao Norte do país, embalados pela canção-título de Chico Buarque.
Alternando entre momentos de comédia e drama, a aventura da trupe perpassa discussões políticas e sociais relevantes em suas entrelinhas. Em seu subtexto, estão a busca desesperada do Brasil pelo “progresso” tão alardeado pelo governo militar, a sensação de integração nacional através da construção de estradas e pela chegada da própria televisão a locais antes isolados, além da luta das atrações populares como o circo contra o entretenimento que se torna cada vez mais mediado pelas tecnologias. Esta última cobre o filme com certo véu metalinguístico, uma vez que o próprio cinema enfrentou dificuldades com o advento da televisão, numa pendenga similar ao que hoje passa contra a web. Nesse sentido, “Bye Bye Brasil” está anos-luz da, para citar só um exemplo, tentativa de abordar um tema sério como o trabalho escravo no recente “Crô”.
Divertido e despretensioso, “Bye Bye Brasil” segue uma linha que lembra filmes mais recentes como “Cine Holliúdy” (2012) e “Cinema, aspirinas e urubus” (2005). Ele representa um momento único da história brasileira, no qual uma nova mídia (no caso, a TV) traz mudanças aos hábitos e práticas sociais. Através do filme, relembram-se situações que hoje as gerações mais jovens devem ter conhecido através de relatos de seus pais ou avós, que se amontoavam em praças para assistir à “TV pública”, ou seja, ao único televisor da cidade, com direito à presença do prefeito e do padre, enquanto as quermesses e aparições de artistas viajantes se tornavam menos reluzentes e atrativas frente à pequena tela do aparelho.
Também é claro em “Bye Bye Brasil” o espírito de uma época calcado na esperança de uma abertura política iminente. A força que move cada personagem, do principal aos secundários, é ter uma vida plena de alegria e bens, longe do fantasma do subdesenvolvimento brasileiro. É dessa maneira que os paupérrimos habitantes de um vilarejo se encantam quando Lorde Cigano faz “nevar no sertão”, porque lembra a Europa e Estados Unidos, ou quando a rumba de Salomé é anunciada um pedaço do Caribe; já os indígenas retratados no filme desejam andar de avião, beber coca-cola e ficar com o ouvido colado no aparelho de rádio. Resumindo: tenta-se vender uma imagem de patriotismo e integração, mas tudo que é bom não é autóctone e o fato desses “produtos internacionais” chegarem ao Brasil é o que valida o país como rumo ao moderno. Passadas décadas desde o lançamento de “Bye Bye Brasil”, essa ironia implícita no filme só se fortaleceu.
Ao listar todos esses elementos, pode-se pensar que “Bye Bye Brasil” é um “filme cabeça”, de difícil fruição. Não mesmo! Se, por um lado, o personagem de Wilker vive de maldizer a televisão, o filme traz uma leveza e um riso fácil tranquilamente associável a bons programas humorísticos televisivos, sustentado principalmente pela atuação excelente do ator. Vale frisar que essa é uma característica que remete à atmosfera do filme, e não à sua estrutura: “Bye Bye Brasil” está longe de ser “novela filmada para a tela grande” como algumas comédias brasileiras atuais insistem em ser.
Como nem tudo são flores, há problemas em “Bye Bye Brasil”, tal como as cenas de sexo esquisitas, mas o mais gritante deles responde pelo nome de Fábio Jr. O ator-cantor nem de longe consegue transmitir a complexidade de seu personagem, Ciço. O que deveria ser um homem quieto e rústico, encantado pela possibilidade de encontrar amor, aventura e dinheiro pela estrada, mas que se perde na espiral de promessas que nunca se cumprem vira simplesmente… Fábio Jr. olhando para o vazio! Até mesmo Zaira Zambelli, que definitivamente não brilha como a esposa Dasdô, consegue fazer melhor. A atuação do galã fica ainda mais comprometida pelo fato de ele contracenar bastante com Betty Faria, que interpreta a sensual e blasé Salomé. Esta não é dada a conversa e tem a languidez de um gato, mas com a interpretação de Faria, mesmo o silêncio expressa algo.
Falando em Dasdô e Salomé, ambas trazem algo interessante à presença feminina no cinema. Ciço é obcecado por Salomé, e era de se esperar que ela e Dasdô protagonizassem uma disputa por ele, situação essa que o cinema e a televisão adoram colocar como prioritária às personagens mulheres. No entanto, não é isso que ocorre em “Bye Bye Brasil”. Ainda que Salomé seja libertária e Dasdô seja extremamente passiva, percebe-se que ambas têm tomadas de decisão por si próprias. Dentre alguns exemplos está o fato de que Ciço não obriga Dasdô a seguir com a Caravana Rolidei, coisa que ela mesma escolhe; em outros momentos, Salomé deixa claro que teve relações sexuais com Ciço porque quis, mas isso não significa que ela esteja apaixonada ou deva explicações a ele. Mesmo quando Salomé e Dasdô despontam para a prostituição posteriormente na trama, essa parece ser não uma imposição dos personagens masculinos, mas uma difícil decisão que tomaram em prol do grupo.
Ainda sobre a atuação, há de destacar novamente a excelência de Wilker. Em “Bye Bye Brasil”, percebe-se que não é de tempos recentes que ele tinha um faro apurado para a comédia. Outro ator não faria melhor ao soltar, na maior naturalidade, pérolas como “mar de cidade é cheio de cocô” ou chamar os genitais de sua amada de “crica roxa” e, ainda assim, trazer carga dramática para momentos pesados como quando Lorde Cigano explicita a Ciço que Salomé terá que se prostituir para conseguirem dinheiro. Sua interpretação dá um senso de unidade muito bem definido ao personagem em situações bem diversas, e isso num filme “povão” e sucesso de bilheteria, o mesmo tipo de filme no qual muitos atores ligam o “piloto automático” e atuam da maneira mais robótica possível.
Ao relembrar a associação do diretor Carlos Diegues com o Cinema Novo, movimento cinematográfico de forte caráter político, vê-se que o teor crítico das produções intelectualizadas daquela época ainda ecoaram no popular “Bye Bye Brasil”, embora numa roupagem bem diferente. É curioso conferir também que esse foi seu um de seus filmes de maior sucesso comercial, ao passo que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1980. Saudade de quando investiam mais em filmes divertidos que não duvidavam da capacidade do público de pensar e rir ao mesmo tempo.
Melhor página de critica de cinema em Manaus. 🙂
Somente uma correção ; A caravana rolidei, e não Caravana Roliude. Belo texto, fazendo comparações com filmes atuais…Belíssimo trabalho do José Wilker e Betty Faria. Frases de efeito e enredo …Road movie brasileiro. A Zaira Zambelli, se sai muito bem contracenando com a Betty, pena que não podemos falar o mesmo do Fábio Jr. Que me decepcionou e muito no filme.
Valeu Alécio.
Vamos corrigir o texto imediatamente.
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