Acho difícil de engolir que a maioria dos fãs de cinema que conheço achem Cavalo de Guerra (2011), de Steven Spielberg, um desperdício. Como pode um filme com uma narrativa tão fluente, uma história tão cativante, e tão superlativo na parte técnica, ser desprezado dessa forma? Será realmente que as pessoas preferiram As Aventuras de Tintim, lançado no mesmo ano, e – ao menos pra mim – pouco mais do que um exercício de técnica vazia?

Meus amigos retrucam que a obra é sentimental, melosa e previsível. Bom, sobre isso, penso que as pessoas estão assistindo o filme na “chave” errada. Cavalo de Guerra abandona deliberadamente toda a sensibilidade irônica, questionadora, da atualidade em favor de uma visão romântica, ingênua, deliberadamente antiquada. A razão para isso é que, com esse filme, Spielberg está prestando tributo ao cinema dos anos 1950 e 60, às obras que marcaram a sua infância, que formaram a sua psique de cineasta. Nada portanto, mais fora de tom do que tentar contar a história do menino Albert (Jeremy Irvine) e seu cavalo Joey com a mesma complexidade moral de Munique (2005) ou A Lista de Schindler (1993).

Cavalo de Guerra é fruto de um ano de trabalho duro para Steven Spielberg. Pela primeira vez desde 1993, ano em que ele lançou dois clássicos absolutos, Jurassic Park: Parque dos Dinossauros e A Lista de Schindler, o diretor tinha uma estreia dupla em sua filmografia. Enquanto a produção de Tintim já corria havia anos, devido à complexidade de seus sets digitais, Cavalo de Guerra foi rodado de forma relativamente simples e rápida. Os dois filmes não poderiam ser mais distantes entre si: Tintim era uma aventura hiperativa, toda rodada em computação gráfica, cheia de correria e explosões. Já Cavalo era uma trama delicada, deliberada, fiel ao ritmo e ambientação da época onde se passa a história: a primeira década do século passado, antes, durante e após a Primeira Guerra Mundial.

Albert Narracott (Irvine) é filho de um casal de fazendeiros no pré-Guerra, que ganha um cavalo de presente do pai, Ted (Peter Mullan). Batizado de Joey, o animal é teimoso e pouco afeito ao trabalho rural. Pior: comprado num lance impetuoso, ele provoca uma dívida que pode resultar na perda da fazenda da família. Albert, porém, se afeiçoa de imediato ao belo e independente colt, e aos poucos consegue ganhar sua confiança e até mesmo adestrá-lo. A alegria do menino acaba quando o pai, pressionado a pagar sua dívida com o senhorio (David Thewlis), vende Joey em segredo para o capitão de cavalaria James (Tom Hiddleston, de Meia-Noite em Paris). Pelo resto do filme, serão as agruras do animal durante o conflito, passando de dono em dono enquanto a guerra vitima a todos, e a busca de Albert por ele que impulsionarão a história.

Acredito, de verdade, que Cavalo de Guerra seja o melhor filme de Spielberg desde Munique (2005), e seu único filme relevante desde então. Mas entendo também que sua sensibilidade assumidamente retrô, vintage, não agrade muita gente. Fica mesmo difícil esquecer décadas de adensamento moral no cinema, com movimentos como neo-realismo, nouvelle vague e New Hollywood modificando profundamente as noções de moral e heroísmo nos filmes, e a própria mudança nas sociedades como um todo. Mas, da mesma forma como em O Artista (2011), que por sinal conquistou o Oscar de Melhor Filme do ano seguinte (e todo mundo adorou), Cavalo de Guerra abre uma emocionante janela para uma época mais romântica e ingênua do cinema, com suas referências a grandes filmes como …E o Vento Levou (1939), Rastros de Ódio (1956) e Glória Feita de Sangue (1957).

Na parte técnica, o filme é o show habitual. A fotografia de Janusz Kamiński recria à perfeição o tom de technicolor que marcou o cinema nas décadas de 40 e 50, e os planos delicados, que retratam o horror da guerra de forma sutil, mas não menos impactante, são o maior destaque da produção. Repare, por exemplo, na cena da execução dos jovens desertores. Com sabedoria, Spielberg filma a cena por um ângulo oblíquo, de trás de um moinho, e a palheta encobre a ação sangrenta. A música de John Williams ecoa os clássicos de Max Steiner e Victor Young, dois mestres do início do século passado. A recriação da época também é primorosa. Cada detalhe, dos móveis e objetos domésticos até os tanques quase artesanais do período, transparece o cuidado da equipe responsável pela produção.

Faço um convite para que você conheça – e se emocione com – a jornada do garoto Albert e seu cavalo Joey por um mundo em convulsão. Se não é o melhor filme de Spielberg – e, de fato, trata-se uma produção modesta perto dos grandes clássicos do diretor – Cavalo de Guerra é uma bela homenagem a um passado que se distancia de nós cada a passos cada vez mais largos. Acima disso, porém, está uma história comovente e de apelo universal, além de um dos filmes mais belos sobre a relação entre homem e animal.

Cavalo de Guerra