Em 1969, com o recrudescimento da ditadura militar e o aumento da repressão, Cosme vai preso pela segunda vez, ficando 2 meses retido. Ao sair vai para Manaus a convite de Joaquim Marinho, então titular do Departamento de Turismo e Propaganda do Amazonas – DEPRO, para participar do I Festival Norte de Cinema Brasileiro.


Fabiano Canosa, Cosme Alves Netto, Helena Ignez, Anecy Rocha e Walter Lima Jr.
 

Durante essa estadia de Cosme em Manaus por conta do Festival, acontece o evento que marcaria a história do cinema amazonense e brasileiro, a redescoberta de Silvino Santos, português radicado em Manaus que foi um dos grandes nomes do cinema silencioso no país. Segundo conta o próprio Cosme, em entrevista realizada em 1986 na cidade de Manaus[1], o grupo envolvido com a organização do I Festival Norte de Cinema Brasileiro, que contava com Márcio Souza e José Gaspar, entre outros, estava reunido em frente à casa do seu  pai discutindo sobre cinema, quando “Aí, aparece meu pai na janela, de pijama, nunca esqueço isso, ficávamos discutindo até altas horas da noite, e disse: ‘Vocês deviam era procurar o Silvino Santos, um português que fez cinema aqui na década de 20 e ninguém fala dele’. Eu que nunca tinha ouvido falar em Silvino Santos! – ‘Quem é Silvino Santos?’. ‘Ele é funcionário do J. G. Araújo’” No dia seguinte um grupo que contava com Fabiano Canosa, José Gaspar, Márcio Souza, Joaqum Marinho, Miriam Alencar (do Jornal do Brasil) e Geraldo Mayrink (crítico de cinema de Minas Gerais) faria uma busca pelo cineasta, encontrando-o em uma garagem de um prédio pertencente à família de J.G. Araújo.

Cosme foi símbolo da preservação da memória cinematográfica nacional

Silvino era praticamente desconhecido do público mais amplo. Era vagamente lembrado como fotógrafo por alguns na cidade de Manaus, mas até esse momento, ignorado pela historiografia do cinema brasileiro. Esse encontro proporcionado pelo I Festival Norte do Cinema Brasileiro constitui-se como um marco inequívoco, que abriu nova perspectiva sobre a história do cinema amazonense e também do cinema nacional, lançando luz sobre a importância da preservação do cinema primitivo brasileiro e mostrando que ainda havia muito a ser descoberto, preservado e difundido.

O evento em torno dessa descoberta do Silvino Santos, o acesso ao seu acervo – precariamente empilhado em um galpão úmido e escuro sem nenhuma condição adequada para a preservação adequada desse material – tem importância decisiva para Cosme Alves Netto e contribui para uma mudança sensível em relação ao modo que ele via a preservação de filmes. Novamente Cosme na entrevista de 1986:

Nesse meio tempo eu já dirigia a Cinemateca e voltei pra Cinemateca preocupado em relação ao problema
da memória cinematográfica, não só em Manaus, mas, evidentemente, em todo o
Brasil. E foi o período que em São Paulo também se começou a preocupar muito
com o problema da memória. O Paulo Emílio tinha uma preocupação com relação
a isso e a gente começou a avançar na pesquisa da nossa memória cinematográfica.
De repente, a gente parou de se preocupar com os filmes primitivos estrangeiros e
a se preocupar com os filmes primitivos brasileiros. Foi a mudança, uma mudança
assim de 90 graus no rumo da nossa preocupação. Paulo Emílio sempre tinha aquela
frase famosa: O pior filme brasileiro tem mais a ver com nossa cultura que o melhor filme estrangeiro. Enfim, começamos a ver isso.”


Cosme Alves Netto, Humberto Mauro, Alex Viany e Paulo Emílio Salles Gomes

Em 1980, com a atenção voltada para o cinema brasileiro dos primeiros tempos, Cosme desenvolve uma ação na Cinemateca do MAM-RJ intitulada “Projeto Filho Pródigo”, que empreenderia esforços em repatriar filmes brasileiros, ou filmados no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, que estivessem disponíveis em arquivos fora do país.

Leia: Cosme Alves Netto: o incansável caçador de filmes – Parte I

Em relação ao cinema no Amazonas, podemos situar Cosme no centro de um movimento duplo: por um lado o importante papel desempenhado por ele na aglutinação de pessoas em torno do interesse pelo cinema em Manaus na década de 1960, em busca de consolidar uma cultura cinematográfica na cidade, algo que acabou por lançar as bases do que seria efeftivamente a produção de cinema no Amazonas dali em diante pelas próximas décadas. Por outro, como a revelação da existência de Silvino Santos no Amazonas, distante dos centros produtores do Rio de Janeiro e de São Paulo, contribuiu para refinar sua percepção acerca da importância da preservação do cinema primitivo brasileiro. A importância da preservação da memória cinematográfica nacional.

Cosme seguiria nas décadas seguintes com seu papel de animador cultural e de difusor do cinema brasileiro ao redor do mundo, estreitando laços especialmente com países latinoamericanos. Ele faleceu em 1996 na cidade do Rio de Janeiro.[2]

[1]  A entrevista contou com a presença de Joaquim Marinho, Ivens Lima e os pesquisadores de cinema Narciso Lobo e Selda Vale da Costa. Ela foi publicada no livro “No rastro de Silvino Santos” (COSTA, Selda Vale da & LOBO, Narciso Júlio Freire, 1987). Está disponível também no número especial da revista Somanlu de 2007, dedicada a I Mostra Amazônica do Filme Etnográfico e pode ser acessada pelo link: http://www.periodicos.ufam.edu.br/somanlu/article/view/334

[2] O cineasta Aurélio Michiles lançou em 2015 o longa-metragem “Tudo por amor ao cinema”, documentário sobre Cosme Alves Netto. Para maiores informações acesse: www.tudoporamoraocinema.com.br