Partindo do pressuposto que você não tenha vivido debaixo de uma pedra durante a última década, há uma boa chance de você conhecer os principais acontecimentos da vida de Amy Winehouse. A cantora de soul britânica que obteve sucesso astronômico com seu segundo disco – seu “Back to Black”, de 2006, permanece o disco mais vendido do século XXI – sucumbiu ao seu vício por álcool e drogas, morrendo em seu apartamento na infame idade de 27 anos.

O grande trunfo do documentário de Asif Kapadia, então, é tornar uma história acompanhada por milhões no mundo inteiro nova e envolvente, mirando diretamente nos cernes emocionais da verdadeira novela que a cantora protagonizou durante seus anos de estrelato. Como seu anterior “Senna” (2010), o filme se exime de oferecer um narrador e seu ritmo apressado nos joga no mundo de Amy e não nos deixa sair, fazendo com que, como ela, sejamos afogados pelo mundo ao redor.

É certo dizer que, por vários fatores, sem “Senna”, “Amy” não teria acontecido. “Senna” provê o mesmo molde estilístico pelo qual “Amy” funciona e a guinada que ele deu à carreira de Asif, até então diretor de filmes B, permitiu que seu nome fosse forte o suficiente para receber o convite da Universal Music para filmar o longa. O mais digno de nota, no entanto, foi que o documentário sobre o automobilista brasileiro caiu nas graças de Mitchell Winehouse, que deu todo o suporte à produção do filme sobre sua filha quando soube que Asif dirigiria.

Esse suporte se materializa em depoimentos e acesso a diversos filmes caseiros, que também são providos pela mãe de Amy e dão munição a Asif para costurar uma das principais narrativas do filme, que estabelece o pai da cantora como um dos principais responsáveis pelas desventuras que levaram à sua morte.

Mitchell agora vocifera contra o filme, se sentindo traído e dizendo que Asif queria prejudicá-lo desde o início, no entanto, o diretor encontra base nos depoimentos de vários amigos e colegas de trabalho da artista, todos incapazes de fazê-la parar sua descida ao abismo que terminaria por matá-la.

A paixão da vida da cantora, Blake Fielder-Civil, também leva boa parte da culpa pelas câmeras do documentário, que o enquadram como um aproveitador e alpinista social que usava do sentimento de Amy para com ele e do vício dela por drogas para mantê-la num estado mental deplorável que a tornava dependente dele e, logo, permitindo que ele ficasse próximo dela e gozasse das benesses da vida de uma estrela do showbiz.

A coisa toda se desenrola diante de nós como uma tragédia anunciada, na melhor tradição do teatro grego. Família, amor, sexo, drogas, todos temas tirados direto da Antiguidade e que ganham uma tonalidade rock’n’roll durante o sucesso da cantora, que teve que lidar com o mal moderno dos paparazzi e da mídia. Aliás, o filme também funciona como um alerta de como a indústria da celebridade mata astros, com as sequências de entradas e saídas de eventos sendo editadas de maneira angustiante e frenética.

Conectando a vida e a obra de Amy estão suas letras, que aparecem graficamente no filme em longas sequências, e que dão conta do quão autobiográfica sua produção era. “Stronger Than Me” é um claro relato sobre seu primeiro namorado, por exemplo, e “Rehab”, reitera-se, é mesmo sobre a “chance de ouro” de recuperação que Amy perdeu antes do lançamento de “Back to Black”, quando seu pai, figura que ela adorou até a morte, lhe disse que não precisava de reabilitação.

Quem nos fala dessa chance é Nick Shymanksy, amigo e ex-empresário da cantora, um dos principais personagens do filme. Ele esteve lá no início: trabalhando numa firma de agenciamento de talentos, ele queria mostrar serviço e, para tanto, teve a ideia de lançar a carreira de Amy. Nem a trilha incidental piegas ou o prévio conhecimento da história acaba tirando a força da história que sucedeu a ideia de Nick. Incapaz de salvá-la, é a sua reação após a morte da cantora que vemos no final do filme e essa é a imagem que, talvez, resuma “Amy”. A câmera dá zoom em Nick e, por um minuto, nós somos ele, plateia de uma morte que não conseguimos impedir. Impactante e devastador.