Quem não gosta de uma boa comédia romântica? Um gênero que já teve seu apogeu e permanece na indústria às duras pencas. Mas todo mundo, ao final do dia, quer ver uma boa história de amor clichê para chamar de sua. Você que está lendo este texto, certamente têm umas três comedias românticas favoritas. Até os corações mais brutos precisam desse “devaneio” amoroso.

Também, ao longo dos tempos, as comédias românticas que foram sucesso de público, crítica e bilheteria tinha apenas uma visão: a branca. Nas nossas listas de comédias de um TOP 10, provavelmente 11 são protagonizados por atores a atrizes brancos.

E não é por falta de atores e atrizes negros ou não brancos. Pensando rápido, posso lembrar de “Resistindo às Tentações” (2003), com Cuba Gooding Jr. e Beyoncé, “Pulando a Vassoura” (2011) com Paula Patton e Angela Bassett, “Pense Como Eles” (2012) com a Taraji P. Henson e Regina Hall que faz muito barulho e ganhou uma sequência em 2014 e, mais recentemente, “Viagem das Garotas” (2017), com Hall, Queen Latifah, Tiffany Haddish e Jada Pinkett Smith que também terá sequência.

Uma lista pequena se comparados aos clássicos do gênero. Mas, ainda assim, existem e tem demanda. Só resta investimento. Pessoas negras podem e devem acreditar no amor clichê, se verem representados. Sentir aquele calorzinho no coração ao primeiro beijo dos protagonistas e aquele final que já vimos centenas de vezes, mas com pessoas pretas, onde você se reconhece de fato.

GRATA SURPRESA

E chegamos em “Rye Lane: Um Amor Inesperado”, um dos filmes sensação do Festival de Sundance 2023. Estreia de Raine Allen-Miller como diretora, o longa não apresenta nada de novo. Está tudo ali: um encontro casual que mudará as vidas dos protagonistas, um cara mais introspectivo, ela mais desinibida e falante, ambos vieram de relacionamentos fracassados e conversas sobre a vida.

Mas há um fator crucial aqui: o pertencimento à cidade. Rye Lane é uma parte de Londres que onde tudo acontece, entre lojas, shoppings, pubs, etc. É lá que o inesperado casal, Yas e Dom (Vivian Oparah – belíssima – e David Jonsson, respectivamente) se encontram e andam pelas ruas da cidade rememorando traumas, pensando no futuro e lidando com a animosidade de cada um. Tudo isso rondando a capital britânica, como parte daquele lugar, sem quaisquer resquícios de brutalidade aos seus corpos; eles estão apenas vivendo e a cidade, o lugar em que moram, está sendo testemunha desse encontro.

E em apenas algumas horas juntos, eles têm aquela conexão. Há reencontros com os ex-namorados, com ex-sogra (a sequência dos dois na casa da ex-sogra de Yas é divertidíssima) e muitos comes e bebes ao longo de um dia crucial em suas vidas. Há espaço para uma pontinha rápida de Colin Firth também.

O olhar de certa forma lúdico como Allen-Miller dirige também é o diferencial. Cenas opacas, reconstrução dos fatos a partir da perspectiva de cada um, luzes neon, direção de arte impecável dão o tom sofisticado ao filme.

Em pouco mais de 80 minutos, “Rye Lane” exalta todos os clichês românticos, com altas doses de diálogos existenciais e inteligentes e uma química absurda entre Vivian e David que estão excelentes em cena. Não há nada de mirabolante, há muito perrengue – ela busca, enfim, um emprego como figurinista, ele depois do término volta a morar com os pais – coisas triviais, que acontecem com qualquer um, mas agora colocando esses corpos negros como protagonistas de uma história de amor simples e eficaz. Realmente, “Rye Lane” foi uma grata e inesperada surpresa.