Selecionado para a Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes de 2018 e destaque da programação do Festival do Cinema Italiano no Brasil, ‘Euforia’ é o tipo de filme que aprofunda seus personagens a partir das relações familiares vistas em cena. Essa estratégia, entretanto, não é algo tão simples de ser executada, geralmente deixando a desejar na construção do personagem ou na finalização da trama familiar. Felizmente, o filme dirigido pela italiana Valeria Golino ampara bem suas ambições ao construir uma trama delicada, o que funciona até certo ponto, pois, no decorrer da história, sua proposta perde a força inicial sendo salva por um desfecho condizente. 

“Euforia” apresenta a reaproximação dos irmãos Matteo (Riccardo Scamarcio) e Ettore (Valerio Mastandrea), após o segundo ser diagnosticado com uma doença terminal. Matteo se torna o encarregado por esconder a doença do próprio irmão e da família, assumindo o controle sobre a vida do rapaz. Assim, a convivência entre ambos releva dificuldades de relacionamento entre si e a existência de conflitos individuais até ali não resolvidos. 

Desta forma, o grande potencial oferecido por seus personagens são as possibilidades de conflitos entre os irmãos devido às suas características pessoais. Ambos são figuras complexas, principalmente Matteo, contribuindo para a dúvida sobre como cada acontecimento irá ser interpretado por eles. A cada nova interação entre os irmãos, suas histórias são reveladas aos poucos para o público, preparando-o para um embate capaz de acontecer a qualquer momento, mas bem construído até o final do longa. 

Tropeços ao longo do caminho 

“Euforia” se concentra tanto na relação entre Matteo e Ettore a ponto de esquecer os demais personagens. Neste caso, a participação mais interessante fica por conta de Michaela (Isabella Ferrari) e sua relação conturbada com Ettore, precisando assumir uma difícil posição ao saber que seu ex-marido irá morrer, mas ainda presa ao fato de não conseguir perdoá-lo. 

Sem grande amparo do restante do elenco, o filme volta a se dirigir novamente a relação entre Ettore e Matteo, entretanto, apenas um destes é carismático o suficiente para o público entender e aceitar suas falhas. Matteo é assumidamente o protagonista da história, porém, todo drama acerca da doença não recai sobre Ettore como o esperado. Isso não permite com que Valerio se destaque na proposta de paciente terminal. 

Com esses defeitos na trama, “Euforia” perde seu ritmo na metade e passa a segurar o espectador com algumas cenas individuais dos personagens. A força da história somente volta a ser vista quando Matteo e Ettore, finalmente, se confrontam e falam o que sentem um ao outro. Pouco depois, a produção volta a brilhar, já próxima ao desfecho, com a solução encontrada para o conflito dos irmãos. E, apesar de não ser um acontecimento bem preparado, é um desfecho bem satisfatório e condizente com a proposta do longa. 

‘Euforia’ pode até não ser um filme que mantém seu público interessado durante todo tempo de trama, mas, com certeza é o tipo de produção que acompanha ou espectador após a exibição com seus questionamentos. Esta característica pode não surtir tantos efeitos assim em alguns, mas, para um público mais aberto e disposto a prestar atenção, é suficiente para revelar incômodos e reflexões não tão fáceis assim, um feito definitivamente notável do longa.   

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...