Penúltimo episódio de “Game of Thrones”, “The Bells” foi, sem dúvida, épico. Apresentou a batalha mais bem-acabada tecnicamente da série, colocou, de fato, todos os personagens em situações reais de risco, fez o público despedir-se de personagens históricos e deixou um grande suspense para o tão aguardado desfecho. Ao mesmo tempo, o roteiro expôs a mais imperdoável falha, já repetitiva desde a sétima temporada: a pressa na conclusão de arcos dramáticos fundamentais para a trama, deixando um sabor de que tudo poderia ser trabalhado de forma mais satisfatória.
Grande parte dos méritos do episódio ficam por conta de Miguel Sapochnik. O diretor mostra toda a capacidade técnica já vista em momentos-chaves da saga como as batalhas dos Bastardos e de Winterfell amplificada pelo grau de tensão máximo pelas reviravoltas presentes no capítulo. O domínio de distribuir a tensão entre o silêncio e a explosão do som, os planos-sequências capazes de colocar o espectador diante do horror submetido a Porto Real aliados aos ótimos efeitos especiais e uma montagem de ritmo incessante, realizada de forma harmônica e sem esquecer praticamente ninguém entre tantos personagens, são dignos de todos os Emmys e Globos de Ouros por virem na temporada de premiação.
Todo esse repertório se distribui ao longo do episódio seja de forma mais delicada como o surgimento do dragão por trás de Daenerys na hora da execução de Varys como de maneira mais forte na destruição da Companhia Dourada vista ao lado de Euron Greyjoy e em todo o ataque a Porto Real, iniciado na tensa sequência dos sinos. Dali em diante, Sapochnik torna-se o regente do caos em que a violência explode pelas ruas da capital dos Sete Reinos através de gritos, sangue, pessoas de todas as idades queimadas, violência e muitas mortes.
Nada mais simbólico do que o duelo entre Jaime Lannister e Euron: trata-se de um combate sujo, repleto de grunhidos, golpes desferidos insanamente, longe de qualquer traço de honra; apenas a pura luta pela sobrevivência. Até momentos menos importantes para a trama central como o tão sonhado reencontro entre Clegane e o Cão de Caça torna-se especial pela maneira como a direção de fotografia trabalha o jogo de luz, realçando o fim da linha de figuras tão queridas pelos fãs da saga.
Faz-se necessário também ressaltar o desempenho de alguns nomes do elenco. Peter Dinklage, por exemplo, volta a brilhar como Tyrion: mesmo com o brilhantismo político e estratégico do personagem estar longe de aparecer na temporada, aqui, o Lannister comove pelo amor e preocupação à família, inclusive, com a própria Cersei quando olha desesperado para torre como em uma súplica para que a irmã desista da guerra. O maior dos destaques, porém, fica mesmo com Conleth Hill, intérprete do ótimo Vardys. O personagem era um dos últimos da linha dos conchavos políticos e jogos dúbios tão fundamentais para “Game of Thrones” e, em “The Bells”, percebe-se, de fato, que a preocupação dele era com a real estabilidade do reino acima de todas as coisas. Ver o que se sucede nos minutos seguintes à morte dele o valorizam ainda mais.
POR QUE TANTA PRESSA?
Um dos aspectos mais fascinantes das primeiras temporadas de “Game of Thrones” era como a série conseguia desenvolver tantos assuntos sem correr. Demorava episódios para um personagem ir de um reino a outro. Com isso, relações importantes – Jaime e Brienne, Arya e o Cão de Caça – eram desenvolvidas a tal ponto que já estávamos mais do que afeiçoados com aquelas histórias, nos importávamos com eles e como seriam os seus reencontros, além de permitir uma dimensão exata da realidade daquele universo e dos desafios em que estavam inseridos. Tal característica servia também para os personagens: Tyrion, por exemplo, passou de beberrão para um estrategista político salvador de King´s Land até se tornar um pária, matar o pai e o grande amor da vida, indo, finalmente, parar com Daenerys. Para tanto, longos anos foram precisos para tal.
Por tudo isso, o que acontece desde a sétima temporada e ganha proporções épicas neste último ano é um esquecimento desta dinâmica para uma narrativa mais apressada com o objetivo de se inserir um tom de urgência a “Game of Thrones”. O grande acontecimento de “The Bells” – a virada de Daenerys em uma déspota assassina – é o ápice de uma decisão equivocada por parte da dupla de criadores da série televisiva e roteiristas David Benioff e D. B. Weiss.
Por mais que as profecias e teorias remetendo à loucura do pai, Aerys Targaryen, ou a decisão dela de matar a família de Sam Turly pudesse ser um pequeno indício do que viria, a transformação de Daenerys a ponto de destruir toda a capital e matar milhares de pessoas inocentes parece brusca demais. Todos os fatores desestabilizantes – a perda de amigos fieis (Missandei e Sor Jorah), a morte do segundo dragão, o estremecimento na relação com Jon, as dificuldades em conseguir se adaptar à política dos Sete Reinos – podem até ser plausíveis, porém, trabalhados da forma secundária como foram ao longo dos últimos episódios soam implausíveis para o tamanho que atingiram agora. Uma coisa é descontrole, insegurança, medo como vinha sendo demonstrado; outra, completamente diferente, é tornar-se um genocida. (PS: o papinho de não ser amada soa até machista, afinal de contas, pensa se um personagem masculino, na mesma situação, viria com esta justificativa?).
Com isso, fica a sensação de que havia outros caminhos para a personagem tentar driblar estes problemas antes de se ver sem saída para, aí sim, incendiar Porto Real. Porém, a necessidade de levar tudo para um campo de batalha e resolver isso em conflitos espetaculares mostrou-se um caminho mais fácil, sendo patético uma figura forte e determinada com uma trajetória tão valente nas primeiras temporadas ser relegada à imagem de louca com direitos a olheiras e cabelo desgrenhado.
A pressa que destrói Daenerys também sacou Cersei da trama. Chega a ser inacreditável pensar que, talvez, a melhor personagem de “Game of Thrones”, tão sagaz e inteligente, restringiu-se a simplesmente ser uma espectadora na última temporada da série. A personagem de Lena Headey foi uma coadjuvante de luxo e mostrou-se impotente e sem um plano B no maior confronto de sua vida – logo ela que explodiu o septo de Baelor quando parecia sem saída. A morte dela deixa um sabor amargo para quem esperava tanto da Lannister.
“Game of Thrones” chega ao último episódio cheio de buracos, muitos deles, incontornáveis. A pressa adotada pelo roteiro focado em grandes batalhas deixou de lado a inteligência das tramas políticas e do clima de conspiração constante tão admirados pelos fãs da saga. A despedida no próximo domingo deverá seguir este caminho para o bem ou para o mal. Que, ao menos, seja épico.
Um adendo à análise apenas:
Cersei tinha um plano B. Na sequencia em que Daenerys incendeia a cidade com Drogon, podemos ver vários locais onde explodem labaredas verdes, por toda a cidade. Cersei havia preparado o terreno para, talvez, simular uma possível rendição, e quando os exércitos inimigos tomassem a cidade, explodir tudo, como fez com o Septo de Baelor. Ela também estava pronta para sacrificar a população toda pra garantir o trono. Só que o plano B dela não não contava com uma Daenerys furiosa e enlouquecida.
Não me incomoda o fato de ela ter enlouquecido, porque isso já vinha se desenhando há um bom tempo, de maneira sutil. Mas a correria com série sim, podiam ter desenvolvido muito melhor. Sei lá se acharam que a série estava grande demais, mas se tivessem esticado essa temporada, ou até feito mais uma, acredito que dava pra ter feito as coisas de maneira mais natural.
Não acho que isso era seu Plano B. A cidade inteira sempre teve Fogo selvagem no subterrâneo. Eles só explodiram devido ao contato com as labaredas dos dragões de Dany
Exatamente!A série se perdeu, na correria da HBO de dar cabo a maior série da história, talvez estivesse ficando caro de mais e cada vez mais difícil manter o elenco por tanto tempo, e a história se distanciando tanto dos livros, a mim agora só resta a esperança de que os livros não sigam a mesma sina e que sejam mais GOT, que a série.