Desde o lançamento de Deadpool” (2016) e, anos depois, deWatchmen” (2019), há a tentativa de instaurar nesse sub-gênero um discurso paródico, irônico e autoconsciente que não é nenhuma surpresa após tantas produções de heróis ao longo da última década. “The Boys” tem o mérito de extrair a partir de um material deprimente alguma síntese do que a audiência possa entender como super-heróis habitando a América nos anos 2020.

Ninguém jamais imaginaria que a obra mais descartável de Garth Ennis, grande veterano no mundo dos quadrinhos, se faria bem como uma paródia moderna de heróis em live-action. A adaptação para a Amazon, sob as mãos de Eric Kripke (Sobrenatural”), combinava as versões satíricas desses personagens com o mundo contemporâneo no qual vivemos – após seus dois primeiros anos, ainda havia potencial para esse mundo operado pela Vought.

Ao desfecho da segunda temporada, instalou-se de vez o embate que faria “The Boys” operar da melhor maneira: Capitão Pátria/Homelander (Antony Starr) e Billy Bruto (Karl Urban)  cessaram fogo, enquanto Bruto quer manter o legado da esposa cuidando do menino Ryan (também filho de Pátria). Homelander não quer sacrificar o status quo perante a mídia como herói e patriota.

HOMELANDER – O DUELO INSEGURANÇA E NARCISISMO

Adiar o confronto direto foi a solução encontrada para uma série que convenhamos, pouco tem a entregar enquanto espetáculo para o catálogo do Prime. Porém, se o terceiro ano de “The Boys” continua a gerar expectativa por algum motivo é pelo proveito gerado sobre o adiamento do tão esperado duelo, que, além de evocar suspense, torna-se a brecha perfeita para o ano que articula um estudo sobre a personalidade narcísica e sociopata que Antony Starr dá a Pátria e o transforma em protagonista do show.

A figura tão ausente do “Superman” hoje talvez explique o fenômeno Capitão Pátria. Tornou-se fácil para o público assimilar a ideia de um homem de capa que é a perfeita antítese do maior herói de todos os tempos – possivelmente é esse o legado deixado por Injustice na cultura pop recente. Entre Supermans do mal, a paródia Brightburn, Omni-Man e muitos outros, o Homelander de Starr luta diariamente para um equilíbrio entre insegurança e narcisismo. 

Daí, a ideia do terceiro ano girar de forma consciente entre esse contraste. A presença do garoto Ryan gera o toque afetivo que faltava entre os dois protagonistas de “The Boys”. O roteiro, supervisionado por Kripke, alia os daddy issues do núcleo principal – e consegue até mesmo inserir o perdido Hughie, que apesar de estar mais presente na temporada, tem o sintoma da perda de protagonismo junto ao elo mais fraco do show.

SATURAÇÃO DOS ARCOS

O elo entre Hughie, Luz-Estrela, Leitinho, Kimiko e Francês cada vez se encontra menos solúvel para um ano tão obcecado por Capitão Pátria e suas obsessões. As analogias políticas óbvias, porém críveis, que Kripke insere em alguns atos dos episódios tenta preencher o vazio que o elo carrega. Com exceção de Kimiko e Francês, dupla que também extrai seus momentos de carisma, é inegável uma saturação de arcos – isso se não mencionarmos Profundo e Trem-Bala, com participações reduzidas.

A chegada de Soldier Boy (Jensen Ackles) escancara. Trazendo consigo o passado da Vought, a ligação com Homelander e a maioria de suas cenas com Bruto e Hughie, a participação de Ackles também dava a pinta de que havia carnificina chegando. Pela primeira vez, houve expectativa para um episódio isolado de “The Boys”.

Não seria surpreendente que esse passado da empresa, em algum momento, possa render mais uma série spin-off para a plataforma. Adaptado de um personagem ridículo, o soldado paródia do Capitão América recebe uma das melhores introduções no show até o presente ano e amarra origens até mesmo históricas para um império corporativo prestes a ruir.

JORNADA DE UM VILÃO

O herogasm chegou aos trendings do Twitter com o mesmo tratamento de um episódio especial de Game of Thronesainda que a comparação possa parecer absurda e nem mesmo o season finale de “The Boys” surpreenda como a série da HBO. Talvez seja a hora de Kripke perceber que a aproximação entre ambas as séries deva acontecer, em algum momento. 

A falta de consequências e a precariedade do orçamento assombraram o episódio final, com grandes promessas e, após aproveitar o terceiro ano como forma de adiar o confronto direto, fica nítido que o resultado fica aquém do esperado. Com sorte, as peças de Eric Kripke continuam no lugar e ainda há chão para uma adaptação que conserva as melhores ideias de Garth Ennis em um dos seus piores trabalhos.

Se o terceiro ano de “The Boys” sacramenta algo é o protagonismo de Capitão Pátria e como sua presença pela maior parte do tempo faz da adaptação de Garth Ennis uma divertida, curiosa e construtiva jornada de um vilão – que todos amam odiar.