“Se Não” tinha tudo para dar errado.
Crianças como atores principais são um risco mesmo em grandes produções (vide George Lucas com o apático Jake Lloyd em “Star Wars – Ameaça Fantasma”); história baseada no folclore amazônico faz com que muita gente perca o foco para ficar exaltando a região em um discurso apaixonado sem objetividade; gravações em externas trazem dificuldades de captação de áudio e intempéries com a imagem; a relativa falta de experiência do diretor Moacy Freitas para curtas de maior duração – o filme anterior dele como diretor, “Sonhos e Pesadelos”, tinha 6:20 contra 15 minutos deste – eram prerrogativas para ficar com os dois pés atrás.
Moacy Freitas, porém, conseguiu reverter todas essas possibilidades negativas e criou uma obra infantil rara de se ver. Com respeito ao universo das crianças, “Se Não” se mostra uma grata surpresa do cinema amazonense pela forma singela com que trata a lenda do Homem do Saco.
Diferente de filmes voltados para o universo infantil onde tudo é lindo e bobo, “Se Não” segue um caminho inverso. Logo na primeira cena durante os créditos iniciais, o tom do projeto fica marcado com a trilha sonora melancólica de acordes repetidos do músico Antônio Pereira embalando o reflexo de um estranho homem andando, sem rumo definido, próximo à margem de um rio. Na sequência seguinte, vemos um corpo de um idoso morto nas ruínas da Vila de Paricatuba. Bela forma de começar um filme para crianças, não?
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Essa ousadia de “Se Não” ao não seguir o convencional e trazer o mistério para dentro da história combina com o universo daquelas crianças. Guardando semelhanças com o trabalho feito pelo veterano Roberts Blossom em “Esqueceram de Mim”, Moacy Freitas surge ameaçador como o Homem do Saco em uma composição visual construída sob medida para destoar dos habitantes daquela realidade, com especial destaque para a bela sandália formada por dezenas de tampas de garrafas pets. O contraste se acentua com o silêncio em meio a tantas pessoas falantes e do rosto tenso contra a leveza da molecada.
Diferente de filmes voltados para o universo infantil onde tudo é lindo e bobo, “Se Não” segue um caminho inverso.
“Se Não”, entretanto, não é um filme dramático nem pretende sê-lo. Igual ao simpático “O Menino no Espelho” com Mateus Solano, o curta enxerga nesses mistérios e tensões o cenário ideal para a liberdade da imaginação, da capacidade de sonhar daqueles meninos. Em vez de serem mais presos e temerosos pelas punições do Homem do Saco, os quatro protagonistas não deixam de viver suas vidas, brincando, brigando, quebrando janelas com a bola de futebol. Essa alegria é transmitida nos rostos dos quatro principais personagens do núcleo infantil em atuações desenvoltas e digna de aplausos pela naturalidade alcançada, especialmente, pelo excelente Geilson de Souza.
Com uma bela direção de fotografia feita por Zé Leão (conhecido também pelo nome de Júnior Rodrigues), “Se Não” peca apenas pela duração excessiva que torna repetitiva determinadas passagens e a narração em off que ora aparece ora some sem deixar vestígios. Nada disso, entretanto, apaga as qualidades desse projeto raro capaz de tratar as crianças de forma inteligente, respeitando seu universo criativo e mágico.
O filme é comovente, divertido e com uma mensagem que consegue chegar a adultos e crianças. .. dentre tantos filmes sem sal e bobinhos, “Se Nao…” consegue ser sensível e ensinar preceitos antigos como amor, obediência, sem ser chato. Além do que, conseguiu envolver toda uma comunidade no projeto. Creio que Paricatuba não será mais a mesma depois de “Se Não. ..”
Boa tarde, Caio! Em primeiro lugar, obrigado pela crítica. É uma satisfação ter nosso trabalho reconhecido e apreciado pela galera do Cine Set.
Sou o roteirista do curta e também gostei muito do trabalho final. Seu Moacy e a equipe deram um show! Em apenas uma semana e com várias adversidades, conseguiram gravar todas as imagens do curta. De fato, concordo com você sobre trabalhar com crianças ser uma coisa um pouco complicada, e confesso que quando escrevi a primeira versão do roteiro, fiquei receoso com a naturalidade com que os diálogos seriam expostos. Porém, as crianças também me surpreenderam e arrasaram, mesmo com pouco tempo para preparação. Nota-se que a química e a afinidade entre elas soa real, como aquele seus amiguinhos de rua que todos tínhamos quando eramos crianças. Queria destacar principalmente o ator mirim que faz o Juca (um achado!) que mora em Paricatuba. Ele conseguiu (sem nunca ter uma experiência com cinema) demonstrar a ingenuidade e inocência que o personagem exigia. Ponto pra equipe e pra versatilidade do pequeno, que nas gravações lembrava até a fala dos colegas. Quanto a direção de arte, o que dizer do caro colega César Youngblood que deixou sua marca na caracterização do Zé Ninguém, misterioso e enigmático… Enfim, há tantas pessoas envolvidas que é melhor não começar a citar nomes, mas é uma alegria enorme em poder ver um projeto que iniciou-se em uma sala de estudantes de cinema em 2012 (Jairo, Alice e seu Moacy Curumim Freitas fizemos parte da mesma turma) tenha visto a luz do dia e sido apreciado pelas pessoas hospitaleiras de Paricatuba. Lembrando que, como adaptação do conto da maravilhosa professora Valéria Pisauro, todos os elementos presentes na história estão ali, a angústia, o medo e o amadurecimento que temos quando percebemos que nem tudo é o que parece ser…
Toda a equipe está de parabéns. Fico muito feliz de ter participado desse projeto. 🙂
O filme e otimo por Demais assistir , e as crianças que lá estavam amaram
SE NÃO … é um belo exercício para um cinema macro de Moacyr e sua equipe, tenho certeza que logo veremos isso nas telas comerciais e eu sempre digo por onde ando que a literatura, em particular a nossa literatura é um bom caminho para um bom produto fílmico de nossos realizadores….a cadeia produtiva esta se se constituindo, sendo formatada a cada ano….logo teremos grandes nomes sendo reconhecido pelo Brasil inteiro e nossos filmes nas grades de grandes emissoras…..
Todo bom filme que se preze tem que ter criticas pois elas sao vistas como um ponto a ser analisado para uma futura melhoria em um outro trabalho! Entretanto o curta é de extrema qualidade e mostra nada mais nada menos a realidade! Esta de parabéns muito bom o curta!
Longe de basear-se no folclore amazônico, ainda que extraia de lá a sua matéria-prima, o curta-metragem SE NÃO quis evitar rotulações limitadoras e traz um texto atemporal e ageográfico, abrindo horizontes novos, perspectivas amplas e fugindo às classificações tradicionais.
O espaço aparece como uma forma de aprendizado sobre a vida; sobre o enfrentamento do desconhecido; sobre disciplina; sobre a existência; sobre a tentativa de refletir e conhecer aquilo que a condição do ser humano tem de mais essencial, não apenas da criança amazonense, mas da “criança”. Assim, o trabalho criativo do texto sobre a linguagem e o desenvolvimento mitopoético desse conto, eleva-o ao universal.
O cenário pode ser compreendido como um território marginal, primitivo, isolado, onde há lugar para a pureza e indagações intimistas, captado pela perspectiva de uma criança, sempre ligado ao lirismo de um mundo em que a sensibilidade, a emoção e o poder das palavras são artesanais e sugestivas aproximando-o à poesia.
O tempo que predomina na narrativa é psicológico e concretiza-se lento, repetitivo e coerentemente, como se nascesse a partir das vivências de crianças empenhadas em compreender seus medos, esvaindo-se a cada nova experiência, a cada novo desafio do mundo.
O curta-metragem SE NÃO, dessa forma, alegoriza um verdadeiro rito de passagem pelo qual todos são obrigados a cruzar: o fim da ingenuidade!
Obrigada, Caio Pimenta, por sua crítica tão construtiva.
Obrigada, Moacy Freitas e equipe, por acreditarem em meu texto e dar uma roupagem tão bela a ele.