AVISO: contêm SPOILERS 

“Está tudo sob controle”, grita Kendall (Jeremy Strong) no início do último episódio da última temporada de “Succession”. Como bem sabemos depois de 39 capítulos, nunca quem começa bem terminará do mesmo jeito 60 minutos depois – aqui, neste desfecho, 90 minutos. E como poderia o sucesso da HBO terminar com o típico final feliz para seus protagonistas?  

“With Open Eyes” mostra o produto de vidas marcadas por opressões, traumas, ódios, traições e intrigas. Crescer e viver em um ambiente destes traz um preço alto para Kendall, Shiv (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin). Por mais que tentem se unir e falem diversas vezes um para o outro que se amam com verdadeiras demonstrações de afeto, os irmãos não conseguem fugir aos instintos e conflitos tão estimulados pelo pai Logan (Brian Cox). O desaguar disso se dá na decisiva e dramática reunião de venda da Waystar para a GoJo. 

Antes disso e diferente do que se poderia esperar por toda a tensão prevista para o último capítulo de “Succession”, o criador Jesse Armstrong concentra a primeira parte do episódio na casa de praia da mãe do trio. Em vez dos ternos e gravatas, lá estão os irmãos de bermudas e roupas de banho. A leveza do vestuário contrasta com a busca pelo poder incessante a ponto de Kendall chegar no local chamando por Roman à la “O Iluminado” e, depois, vindo com um bizarro discurso de que o mundo depende deles – isso tudo diante de um destruído personagem interpretado com brilhantismo por Kieran Culkin.  

A falta de sensibilidade termina apenas quando o martelo é batido e decide-se que Kendall será o CEO da WayStar após Shiv descobrir ter sido passada para trás por Lukas Matsson (Alexander Skarsgard). Ali, o trio une-se em um inesperado momento de trégua e, veja só, união. Mais do que estarem juntos nos votos, a leveza vista na bagunça da cozinha mostra as possibilidades do que poderia ter sido a relação do trio sem a pressão da luta pela sucessão, a qual foi prometida e renegada diversas vezes a eles, alimentando rivalidades, expectativas, sonhos e, claro, frustações.  

E são todos estes sentimentos juntos e misturados que levam à virada decisiva na reta final: Roman se sente um lixo por ter definitivamente fracassado na missão de orgulhar o pai no momento em que Kendall se esbalda na cadeira de Logan, enquanto Shiv disfarça melhor, ainda que seja visível o claro mal-estar com a cena. Dos mistérios que ficarão para sempre, me pergunto o que terá rolado do momento em que a personagem da excelente Sarah Snook sai daquele escritório até a reunião. 

O último encontro dos três concretiza a profética frase de pai sobre eles não serem pessoas sérias com direito a uma mentira na cara dura de um desesperado Kendall sobre a morte do garçom na primeira temporada e uma briga de criança entre ele e o irmão. Se Roman sintetiza o trio à perfeição – “somos uma piada (…) um monte de nada” -, pode-se dizer sem medo de errar que o fracasso dos filhos e dele mesmo como pai seja a grande obra da vida de Logan, muito, muito maior do que qualquer WayStar ou ATN da vida. Uma presença que não se apaga nem mesmo depois de morto – seja em um jantar virtual ou em uma dose em um bar qualquer. 

DOIS DEDOS DE PROSA SOBRE TOM 

As duas primeiras temporadas de “Succession” traziam o personagem de Matthew Macfadyen como um bom e divertido coadjuvante. As interações entre Tom e Greg (Nicholas Braun) funcionavam como um bem-vindo alívio cômico de momentos hilários (a reação ao saber que não seria preso é impagável) e a relação no fio da navalha do pobre coitado com Shiv e a família Roy fazia até sentirmos pena dele. 

O jogo, entretanto, foi virando para Tom a partir da terceira temporada quando começou a crescer ao arriscar movimentos considerados até então improváveis. Que o diga ficar ao lado de Logan e trair a esposa no fim daquele ano. Nos 10 últimos episódios, navegou entre o céu e o inferno, ora ao se ver como todo poderoso da ATN em um ano de eleição, ora como uma figura descartável seja na possível venda para a GoJo ou na permanência da WayStar com os Roys. Isso, claro, para não falar dos embates terríveis com Shiv em que ambos se machucaram com todas as armas possíveis. 

Diferente de uma parte das redes sociais chateadas com o final de “Succession”, a vitória de Tom como o CEO norte-americano da WayStar/GoJo faz mais do que sentido. Ao longo das quatro temporadas, Logan sempre foi colocado como uma figura implacável, imperdoável com os adversários. Entre todos os possíveis candidatos ao trono vago, nenhum tinha mais a perder do que o personagem de Matthew Macfadyen. Somente o instinto de sobrevivência de alguém que corre o risco real de realmente perder tudo cria as cascas suficientes para ter o tal espírito matador de Logan.  

Neste último episódio, Tom dá a demonstração definitiva disso na conversa com Matsson em que, no meio de um bate-papo insólito sobre robalo e bacalhau, engole seco as provocações de ver o futuro chefe admitir que quer foder com a esposa e futura mãe de sua filha. Pior: responder com ‘tudo bem, vai em frente’. Um teste com pitadas de muitas verdades, mas, a certeza para o sueco de que estava diante de um servo fiel e com espírito de Logan 2.0 perfeito. 

“With Open Eyes” encerra “Succession” a colocando na direção de uma tonelada de Emmy. A grande pergunta a ser respondida é qual o tamanho da série na história da HBO e da TV americana. Arrisco dizer que está entre as cinco primeiras.