Estava em dúvida se iria ou não escrever sobre “Master Gardener”, novo filme do diretor e roteirista Paul Schrader. A experiência das quase duas horas foi bem intensa e desconfortável para mim, e não falo daquele desconforto que nos deixa na ponta da cadeira, mas sim um incômodo que já caracteriza a obra do cineasta, que vaga entre o íntimo e o soturno desde os anos 1970. 

Quando se coloca este novo filme na balança junto a “Fé Corrompida” e “O Contador de Cartas”, os outros títulos dessa trilogia informal que o cineasta construiu sobre homens solitários, o sabor amargo que “Master Gardener” deixa é aquele de um desfecho que não chega à altura de seus antecessores. 

Assim como os filmes protagonizados por Ethan Hawke e por Oscar Isaac, e títulos anteriores da filmografia de Schrader, este último também segue a obsessão de um homem que usa sua profissão ou função atual como máscara social. E isso, vale ressaltar, é uma definição já usada pelo diretor em várias entrevistas nas quais revisita sua extensa obra, inspirada em várias instâncias por Robert Bresson e Ingmar Bergman. 

Narvel Roth (Joel Edgerton) é daqueles personagens que não se revelam completamente, a exemplo do reverendo Toller de “Fé Corrompida“, do William Tell de “O Contador de Cartas”, do Julian de “Gigolô Americano” e do Travis Bickle de “Taxi Driver” (roteirizado por Schrader). Ele cuida da jardinagem de uma mansão com arquitetura que remete a – e certamente foi – uma casa de senhores de escravos.  

A herança maldita se faz presente na personagem Norma (Sigourney Weaver), que emprega o protagonista e, à moda do cinema de Schrader, lhe dá uma missão: treinar Maya (Quintessa Swindell), sua sobrinha-neta, na jardinagem. Norma não faz questão de ter qualquer proximidade com a jovem. 

A MÁSCARA SOCIAL 

A falta de interação entre elas surpreende os personagens de “Master Gardener”, mas não o espectador. Já no primeiro discurso da tia-avó, o público consegue perceber o racismo em suas falas e, depois, entende que essa é a gênese de sua proximidade com Narvel, que tem em sua pele várias marcas e símbolos de grupos de supremacistas brancos. 

O filme, vale ressaltar, não faz questão de que tenhamos pena do personagem de Edgerton. Ainda que ele seja o protagonista, o trato é totalmente distante, com escritos enigmáticos em seu diário e aterrorizantes flashbacks. Schrader é, de certa forma, um cronista da América, e isso se reflete quando ele escolhe ambientar sua história em meio à ascensão desses grupos. Isso tudo sem deixar de mostrar ao espectador que a personagem de Weaver, que não tem tatuagens nazistas, também representa, de forma veemente, o racismo. 

O que une Norma e Narvel é essa tal máscara social: ela, sem mexer um fio de cabelo, quase sempre sentada, impassível, mas capaz de dizer as maiores atrocidades com um olhar, enquanto ele esconde as tatuagens com as mangas compridas da roupa, mas, ainda assim, deixa essa estética supremacista aparecer em outros elementos, como o corte de cabelo e roupas que se assemelham às que usava na milícia. 

A JARDINAGEM E O CINEMA 

No meio disso tudo, o elemento confrontador de “Master Gardener” acaba sendo a relação entre aprendiz e mestre. Confesso que tive certa dificuldade em assimilar as imagens que Schrader coloca na tela, e, por isso, o encontro entre Maya e Narvel acaba sendo bem menos orgânico do que os de outros títulos anteriores do diretor. O estranhamento enquanto espectadora acabou por atrapalhar a experiência e a segunda metade do filme, ainda que não coloque o personagem de Edgerton como um “pobre coitado arrependido” (entre MUITAS ASPAS, ressalto), é agressiva demais no cenário em que vivemos. 

Em dado momento, Narvel diz que “jardinagem é a mais fácil das artes, porque está tudo lá”. Isso, de certa forma, se assemelha ao cinema: não que exista uma arte mais fácil que a outra, mas as histórias já foram todas contadas, e a graça é ver a forma que elas tomam a cada nova interpretação.  

Como eu disse, alguns parágrafos acima, a crônica proposta por Schrader já me pegou por várias vezes ao longo dos anos, mas, perante as discussões que ele já propôs anteriormente, há uma certa fragilidade na execução de Normas que passeiam, imunes, todos os dias e que são símbolos que ressoam um passado que ainda está muito presente.