Hoje estreia o novo filme da franquia mais duradoura do cinema – são 53 anos de estrada e cinco décadas na bagagem – do agente secreto mais famoso à serviço de sua majestade, o eterno 007 – James Bond.  007 Contra Spectre é o 24º título da série oficial que já mostrou a sua força na terra da rainha quebrando recordes de bilheteria em sua semana de estreia com 41 milhões de libras, a maior no país até hoje, índice que pertencia anteriormente à própria franquia com Skyfall.

Ele também marca a 4º participação de Daniel Craig como James Bond, papel assumido em 2006 quando estreou em Cassino Royale. De lá para cá, são 9 anos vivendo o agente mais letal do mundo cinematográfico, mas as últimas declarações polêmicas do ator em entrevistas (“prefiro cortar meus pulsos” – teria dito quando questionado se voltaria a encarnar o herói) deixaram uma dúvida do seu retorno para uma quinta aventura – o que pelo seu contrato incluiria mais um filme a ser lançado.

Independente do seu retorno ou não para mais um episódio, a estreia do novo filme já permite traçar uma análise parcial da Era Craig e comparar com dos outros intérpretes, principalmente do seu antecessor Pierce Brosnan. Vale lembrar que Craig viveu em uma época que outro espião chamado Jason Bourne se tornou síntese do cinema de ação e com certeza levou o nosso querido Bond a sair da sua zona de conforto e se modernizar, buscando novas formas de cativar o público.

Por mais que James Bond não faça parte dos seres imortais do cinema de horror como Conde Drácula, Jason Voorhees ou Freddy Krueger, sua imortalidade no cinema aponta para o estilo camaleônico de adaptar-se as épocas e tendências do contexto cultural. 007 pertence a cultura pop e sempre pronto para executar uma missão em nome da rainha, enquanto diverte o público. Por isso, pegue sua Walter PPK, traga a maleta cheia de gagdets, chame uma gatinha para o passeio (o ideal seria ter um Aston Martin, mas estamos em tempos de crise), tome cuidado com o pai da moça – vilões possessivos e megalomaníacos são perigosos – e curta esse pequeno “esquenta” para o novo filme de 007. Ah! Não se esqueça de pedir o seu drink favorito, o vodka-martini (de preferência batido, não mexido) enquanto degusta desta viagem.


Os Bonds no cinema

Você com certeza esta careca de saber que James Bond foi criação do escritor Ian Fleming, aparecendo primeiramente no livro Cassino Royale lançado em 1953. Sua adaptação para os cinemas ocorreu nove anos depois em 007 Contra o Satânico Dr. No. Li alguns dos romances de Fleming e achei a maioria cansativa ou chata, salvando-se poucas exceções. Neste quesito, a dupla de produtores Harry Saltzaman e Albert Brocolis – donos da franquia cinematográfica – tiveram o bom discernimento de melhorar as adaptações para o cinema, tornando o mundo da espionagem mais fascinante na tela do que nos livros.

No total seis atores encarnaram o agente. O primeiro foi o escocês Sean Connery que realizou seis filmes. Ele sem dúvida, é o mais clássico de todos: elegante, cínico e implacável. Executa as vítimas sem perder o charme e transmite serenidade no que faz. Fez parte da era de ouro da espionagem sempre combatendo associações do crime e seus vilões megalomaníacos com a temática da Guerra Fria ao fundo. O australiano George Lazenby o substituiu e protagonizou um único filme, À Serviço Secreto da sua Majestade, um dos melhores (e incompreendidos) da série. Se Lazenby não tinha o carisma necessário para o herói, o seu porte físico o ajudou a se tornar o mais “brigão” de todos os Bonds (lógico até o surgimento de Craig). Destaca-se também a performance falível e humana do personagem no filme – o único que o agente se apaixona e casa.

O terceiro intérprete foi britânico Roger Moore, atualmente o recordista de filmes – sete ao todo. Pegou uma fase de transição entre as tramas de espionagem clássicas aos vilões contrabandistas ainda que a temática da Guerra Fria aparecesse em evidência em alguns filmes. A fase de Moore é marcada por muito humor e toque nonsenses com exageros evidentes (007 contra Foguete da Morte é o suprassumo do bizarro no seu enredo de Guerra nas Estrelas). Ele encarnou um Bond que beira a psicopatia, principalmente por matar seus inimigos com um sorrisinho no rosto.

Timothy Dalton também britânico sucedeu Moore de forma breve em apenas dois filmes. É o que melhor personificou o espírito do personagem dos livros de Fleming. Quem considera que Craig iniciou a fase mais bruta do agente precisa conhecer o Bond de Dalton, um herói mais passional, viril e nada charmoso que transpira fúria só no olhar. Uma pena que sua fase marcada por dois ótimos filmes (Marcado para Morte e Permissão para Matar), é pouco reconhecida e marcada por vacas magras – o fim da Guerra Fria e o advento da Aids levaram mudanças drásticas nos roteiros e caracterizações do personagem. Para completar a concorrência dos filmes de ação da década de 80 estrelados por Stallone e Schwarzenegger, atrapalharam Bond neste período.

O irlandês Pierce Brosnan foi o penúltimo a interpretar o personagem, ressuscitando a série de um hiato de 6 (seis) anos, algo até então inédito. Participou de quatro filmes e é o mais versátil dos Bonds. Herdou o charme e carisma de Connery, o humor cínico de Moore, o estilo de briga de Lazenby e a postura sombria do lado negro da força de Dalton. Deu azar de pegar uma safra pouco inspirada de histórias que por sua vez tentavam fazer transições entre a espionagem clássica com a modernidade do final da década de 90 e início do novo século. Apesar de O Amanhã Nunca Morre ser interessante, nada se compara ao esquecível 007 – O Mundo não é o Bastante e o tenebroso 007 – Um Novo Dia para Morrer que além de ser ruim consegue ser exageradamente fantasioso. É difícil esquecer a cena tosca de Bond surfando em um Tsunami e o bizarro carro invisível.


Era Craig – As mudanças, influências e reinvenções da série

Apesar de 007 – Um Novo Dia para Morrer ser um sucesso de bilheteria em 2002, a crítica não foi nada favorável, deixando a franquia em uma espécie de “ressaca moral”, de stand-by por quatro anos. Este período que marcou o início do novo milênio, o cinema de ação passava por transformações com a franquia Bourne protagonizada por Matt Damon comandando não apenas as bilheterias como funcionando também de parâmetro e modelo para os filmes de ação no período. Na televisão, Jack Bauer em 24 horas levou a espionagem a um formato dinâmico que contribuiu para a nova concepção que o gênero exigia. A América vivia pós 11 de setembro estimulando a paranoia americana que por sua vez alimentava na espionagem a melhor defesa, para conter a sua ansiedade e angústia.

Logo, o mundo respirava dois ícones pop diferentes do estilo 007.  Bourne e Bauer são heróis mais humanos e reais que enfrentam vilões com estas mesmas características que fazem parte dos conflitos que encontramos na sociedade atual – seja nos jornais ou noticiários de TV – e nas teorias de conspiração onde o inimigo encontra-se dentro e não fora. Adicione ainda ao enredo destes dois heróis, conflitos familiares e pessoais embalados por cenas de ação impressionantes e bem compostas que dá a sensação real de estarmos presenciando algo humano, próximo da gente. É bem diferente do estilo charmoso de 007, onde os absurdos e exageros das tramas com seus vilões megalomaníacos se tornam inverossímeis e por isso não sentimos a sensação do perigo real.

Michael Wilson e Barbara Broccoli (herdeiros da franquia) perceberam que precisavam renovar Bond ao mundo contemporâneo para competir com os demais e resolveram reiniciar a série do zero a começar pela escolha de Daniel Craig – o primeiro James Bond loiro – e escolheram adaptar o primeiro livro de Fleming para o cinema, Cassino Royale, romance até então inédito. As mudanças já ficaram evidentes neste primeiro filme de Craig: Um Bond mais realista, brutal e violento, sem qualquer suavidade. Craig assume uma postura menos charmosa em comparação aos outros atores, investe em uma caracterização mais viril e seca, mas sem deixar de lado o aspecto humano do personagem que revela sentimentos dentro dos eventos do filme.

A postura dinâmica da narrativa e apresentação de um 007 mais versátil remete a Jason Bourne, enquanto a brutalidade e frieza são claramente influenciadas por Jack Bauer. Não deixa de ser irônico observar que os livros de Jason Bourne escritos por Robert Ludlow, foram inspirados nos romances de Fleming. De professor, Bond virou aluno e dos ensinamentos do pupilo resolveu reinventar-se.


O Legado da Era Craig

Diferente do que aconteceu com Pierce Brosnan, a Era Daniel Craig como James Bond foi marcado pela regularidade de bons filmes: Cassino Royale e Skyfall são ótimos, enquanto Quantum of Solace mesmo fraco é superior a outros protagonizados por Moore, Connery e Brosnan. Ainda é cedo para cravar uma análise final sobra a importância de Craig para série, por isso elencamos alguns pontos importantes já observados nos três filmes realizados até hoje pelo ator dentro da franquia:

  1. Revitalização da série ao estilo de ação contemporânea e clássica

A concorrência da franquia Bourne e do seriado 24 Horas trouxe boas contribuições para renovação de 007. Além da aproximação do personagem a um tom mais real, os filmes protagonizados por Craig apresentam uma ótima química entre as cenas de ação eletrizantes (e bem encenadas) com os bons enredos de espionagem. No fundo, James Bond foi vernizado para novo século, mas sem deixar de lado a essência dos primeiros filmes, oferecendo boas doses da espionagem clássica, onde o novo converge em harmonia com o antigo. Exemplo disso é que no novo filme teremos a volta da famosa organização criminosa SPECTRE comandada por Blofeld, eterna inimiga do agente na era Connery.

  1. O real herói humano

O Bond de Craig em uma primeira impressão parece um diamante bruto a ser lapidado principalmente pelo seu estilo brucutu, mas por baixo desta máscara nota-se um personagem mais humano e crível. Apesar da dureza e secura, denota sentimentos de medo e ansiedade, além de sangrar como John McClane de Duro de Matar. Até as vestimentas fogem do estilo clássico de terno e gravata para o despojado e usual. Skyfall é sem dúvida o que melhor aprofunda esta nova tendência, humanizando o personagem com um enredo voltado para as suas raízes de origem, o peso da idade e M ganhando uma postura materna frente ao agente.

  1. Produção e parte técnica mais caprichada

Se do ponto de vista técnico, as cenas de ação são bem elaboradas, a Era Craig marcou também uma preocupação maior dos produtores com as pessoas envolvidas nos trabalhos. Diferente dos diretores operários padrões e desconhecidos de outras épocas (Guy Hamilton, John Glen e Lewis Gilbert), os produtores foram ousados trazendo uma equipe técnica respeitada com ótimo currículo: Sam Mendes, vencedor do Oscar de direção por Beleza Americana assumiu a direção dos dois últimos filmes. Os roteiristas John Logan (Oscar por Gladiador) e Paul Higgis (Oscar por Crash – No Limite) deram um tratamento melhor aos diálogos e enredos dos roteiros escritos pela Dupla Neal Purvis e Robert Wade – que trabalham na franquia desde 1995. O mesmo acontece com o elenco composto pelas Bond-Girls mais ilustres (Eva Green, Léa Seydoux e Monica Belluci) aos vilões protagonizados pelos ganhadores do Oscar como Javier Bardem e Christoph Waltz, sem contar a adição de Ralph Fiennes como o novo M.

  1. Enredos que mesclam histórias originais com os livros de Fleming

O grande problema da Era Brosnan foram os filmes fracos que não se sustentavam com enredos originais rocambolescos, vilões caricatos e diálogos sofríveis. Os filmes de Craig encontraram a fórmula ideal para equilibrar (e conciliar) a essência da mitologia presente nos romances de Fleming com as situações de espionagem que estão de encontro com o contexto político atual. É como se você estivesse vendo um filme antigo da série em uma roupagem moderna e dinâmica.

  1. Comparando Craig com os outros intérpretes

É prematuro definir um patamar para Craig em relação aos outros intérpretes, principalmente porque é ainda incerto que o novo filme marca a sua última participação na série. Desta forma, é preferível analisar sua fase mediante aos filmes realizados até o momento e neste quesito é perceptível que a Era Craig é marcada por uma ótima regularidade. Spectre precisa ser um desastre completo para manchar esta situação. Por isso a grande contribuição do ator na pele de 007 foi eliminar o protótipo de um personagem que demonstrava os sinais do tempo e atualizá-lo para nova geração. É um Bond realmente bem controverso, mas charmoso por saber conciliar o novo e o velho com eficiência.