Tão importante quanto realizar uma Mostra e exibir os filmes para um número maior de pessoas, está a reflexão sobre os filmes exibidos, que caminhos eles apontam, o que querem dizer, até onde estão interessados em ir, e se estão alcançando o resultado que propõem.

Dando um passo adiante, neste ano, a organização da II Mostra do Cinema Amazonense trouxe o crítico de cinema Edu Fernandes para debater os filmes de maneira provocativa, levantando reflexões acerca dos elementos que formam os filmes selecionados e todo o contexto cultural que os envolvem.

Já apresentado aos filmes amazonenses – Edu participou da edição de 2012 do Amazonas Film Festival – o crítico paulista fez uma análise comparativa do cinema que presenciou naquele ano com este de 2016, falou sobre as características que formam a base do cinema amazonense atual, regionalismo, e sobre o que considera como as melhores características dos filmes daqui.

Cine Set – Durante o debate do segundo dia de Mostra, você disse que considera que a produção amazonense cresceu exponencialmente de qualidade em relação a 2012, quando participou do AFF. Em que aspectos melhorou?

Edu Fernandes – Em 2012, estive presente na sessão da produção local do Amazonas Film Festival, e percebi alguns títulos bem iniciantes, tentativas de fazer filmes, mas que, muitas vezes, parecia apenas uma ação entre amigos, mais do que um esforço artístico bem planejado e pensado, e sem ambições maiores do que apenas um registro audiovisual. E dessa vez eu vejo filmes mais embasados, tecnicamente mais maduros e com ambições que são mais concretas e mais perceptíveis pra quem acompanha a técnica audiovisual

Cine Set – A partir do que você acompanhou dos filmes selecionados, você consegue identificar algum estilo, linguagem, temática ou alguma característica predominante no cinema amazonense?

Edu Fernandes – Eu percebo muito que no Amazonas as pessoas estão se voltando para o cinema narrativo. É um passo totalmente compreensível, porque a primeira vontade mesmo ao se fazer audiovisual, majoritariamente, é contar uma história. Eu acho que seria bom e proveitoso não perder essa essência, e claro que não há proibitivo de filmes mais sensoriais, mas procurar mesmo contar boas histórias, para, talvez, a partir daí, criar um cinema com mais personalidade própria, pra gente, num circuito de festivais, poder dizer ‘esse é um filme amazonense’, que é o que acontece hoje com os filmes mineiros, pernambucanos e gaúchos, que a gente consegue identificar de cara uma personalidade própria. O que também não impede que um realizador fuja do “movimento” e faça filme com personalidade própria, e diferente de tudo o que se produz ao seu redor, isso deve ser encorajado. Mas acho que o caminho pra se ter um padrão, uma forma, uma assinatura amazonense talvez seja mesmo pelo cinema narrativo.

Cine Set – De que maneira o cinema amazonense é encarado em São Paulo, onde você mora? Se restringe apenas ao que é produzido pelo Sérgio Andrade? Há uma curiosidade pra saber o que é produzido aqui?

Edu Fernandes – A curiosidade que se tem sobre o cinema amazonense é a mesma curiosidade que se tem pela Amazônia como um todo. Os estrangeiros não fazem noção de quão pouco o brasileiro do centro-sul não conhece a Amazônia. Então essa é uma curiosidade muito mais antropológica, social do que audiovisual mesmo. Ali no centro-sul mesmo o que a gente conhece de Amazônia é o cinema do Sérgio Andrade, porque ele já tem uma carreira mais longa, já fez dois longas, então a gente tem contato a partir dele, muito pouco fora isso. E claro, os filmes do Bodansky, aqueles mais da área documental. ]

Cine Set – Sempre difícil se colocar numa posição de “dar conselhos”, mas que deficiências você encontra nas produções daqui, e no que elas devem se dedicar mais para conseguir melhores resultados? E isso se estende também à Mostra, no que ela deve melhorar?

Edu Fernandes – Eu acho que a produção local pode melhorar absorvendo e entrando em contato com a filmografia de outras regiões do Brasil, e por aproximação ou por distanciamento, encontrar o seu próprio caminho. Tentar ir atrás de curtas, de produções locais de algumas regiões. Os estados que estão mais em voga são Pernambuco, claro, Minas Gerais, Paraíba também está com uma produção interessante. Então eles podem ter acesso mais fácil a esses filmes. E se se esforçar um pouco mais, tentar contato com outros realizadores, tentar fazer intercâmbio com outros estados, que estão com produção com alguns destaques, como o Rio Grande do Norte, Goiás, e até o Espírito Santo. Se conseguirem entrar em contato com esses filmes, eles podem inspirar, por aproximação ou por afastamento, a produção local a dar um passo adiante. A Mostra acho que está indo bem, pelo relato de como foi a primeira em comparação com o que está sendo a segunda. Acho que ela se expandiu num tanto que é saudável, num campo que dá pra abarcar com a equipe reduzida que se tem, e a expectativa é que esse crescimento continue nessa toada, para que, nos próximos anos, possa se trazer uma mostra nacional, ou uma mostra focada em um outro estado, pra que aumente o intercâmbio entre os realizadores. Se trouxerem alguns curtas de algum estado e trouxerem os realizadores, e promover algum debate, uma conversa, que acho que pode ser muito produtiva para os dois lados.

Cine Set – Muito se fala sobre a produção de cada lugar se apropriar dos seus aspectos regionais e fazer disso o seu diferencial. Pelo que já acompanhou, acha que isso é utilizado na produção daqui? Pode ser melhor explorado? E qual é o lugar da produção amazonense que não se foca, ou não possui como ponto de partida, nas questões regionais?

Edu Fernandes – Eu acho que se apropriar de aspecto regional, para, a partir daí, ter uma característica própria é uma das saídas mais eficientes, e também uma das saídas mais acessíveis porque a cultura regional está em torno de todos nós, dependendo de onde a gente vive. Isso é muito utilizado pela produção daqui, tanto nas partes de crendices, folclore, nos cenários, e no histórico, porque a história de Manaus e do Norte como um todo, é muito pouco conhecida nos outros estados. Acho que um resgate histórico também garante já um diferencial para um filme que é produzido por aqui. E aí, claro, uma pessoa que tem uma formação, enquanto ser humano, muito mais tocando produções culturais de outros lugares, de outros países, ela não é necessariamente obrigada a incluir uma crença popular num filme que é inspirado pelo cinema europeu. Não precisa fazer isso, não é necessário. É uma saída válida, mas não é a única, acho que cada realizador pode encontrar a sua forma de fazer cinema e os temas e as abordagens que lhe agradam como artista. 

Cine Set – Você disse no debate que o tipo de filmes que fazemos aqui não existe mais no Brasil, e também disse que isso não é uma coisa ruim. Mas isso não pode ser mais um fator para nos afastar da produção contemporânea brasileira? Até que ponto devemos pensar em aproximar a nossa produção do que está sendo feito no resto do Brasil?

Edu Fernandes – Eu percebo muito, fora do Amazonas, nos grandes festivais de cinema, uma certa repetição de técnicas, de abordagens, de estilo, de ritmo, em que muitas vezes os realizadores se esforçam tanto em não cair no clichê, que eles acabam usando as mesmas ferramentas e fazendo filmes muito parecidos. Eu não sei o quanto o Amazonas se beneficiaria tentando fazer isso também, porque seria mais um a disputar espaço com outros filmes que há mais tempo usam essas técnicas e essa proposta. Eu acho que é preciso achar um bom meio termo entre se aproximar do que está sendo feito nos outros estados e, ao mesmo tempo, garantir a assinatura própria, porque só a curiosidade pelos filmes amazonenses não é suficiente pra garantir o espaço deles em grandes festivais. Eu acho que quando os realizadores daqui conseguirem ter a sua assinatura mais bem concretizada, não há motivo para não vermos os filmes locais irem para os festivais em outros estados, e nas vitrines maiores. Eu acho que toda referência, toda proximidade com outras produções, com outros fazeres, pode ajudar, tanto pra um realizador pensar em se inspirar em fazer algo parecido ou até pra recusar aquilo e tentar fazer o oposto. Então eu acho que essas são algumas formas de melhorar a concepção dos filmes daqui. 

Cine Set – A Mostra não tem caráter competitivo, mas gostaria que você citasse aspectos que te chamaram a atenção positivamente em alguns curtas, numa espécie de “menções honrosas” que você julgar necessário.

Edu Fernandes – Bom, eu não vou citar títulos de filmes porque não vi todos ainda, estamos no meio da Mostra. Mas eu acho muito louvável perceber alguns filmes já com umas tentativas estéticas rebuscadas, e também acho bom o bom uso do cenário, porque a paisagem urbana e selvagem daqui é única, e acho que ela garante cenas muito diferentes do que estamos acostumados a ver. Eu percebo um cuidado muito consciente com o uso de câmera, de forma geral os realizadores estão pensando em como enquadrar, e como se mover com a câmera, e um apuro de roteiro também, os roteiros estão mais bem trabalhados, menos improvisados, e acho que, a partir daí, já temos bons ingredientes pra pensar numa produção que vai chegar longe e vai ser vista em outros lugares.

*entrevista realizada no 30 de novembro