O horror é como uma serpente: sempre trocando de pele, sempre mudando. E isso vai sempre voltar. Não pode mantê-la escondida como as nossas culpas, mantidas em nosso subconsciente.” (Dario Argento)

A frase acima reflete bem Dario Argento, o maestro do cinema de terror. Como uma serpente, ele sempre adentrou em nosso inconsciente, levando o cinema de horror ao seu estado mais bruto, o transformando na obra de arte que presenciamos nas imagens de seus filmes. Seu apreço pela estética e visual ajudou a construir a linha tênue entre o real e o onírico, na qual seus trabalhos transitam sempre espalhando medos e pesadelos.

Argento nasceu em Roma em 1940, filho do renomado produtor italiano, Salvatore Argento e da fotógrafa brasileira, Elda Luxardo. Na juventude, trabalhou como crítico de cinema, dirigindo também pequenos trabalhos para TV. Sua primeira participação no cinema não poderia ser melhor: escreveu o roteiro do clássico Era Uma Vez no Oeste (1968) do gênio Sergio Leone. Sua estreia atrás das câmeras aconteceu dois anos depois em O Pássaro das Plumas de Cristal (1970), obra que pavimentou o subgênero conhecido como Giallo.

O seu cinema sempre transitou em duas esferas: o primeiro são os Giallos, a qual pertence a sua obra-prima Prelúdio para Matar (1975) que ganhou do nosso colaborador Ivanildo Pereira, uma ótima crítica no Especial Terror do Cine Set na semana passada. O segundo segmento são os trabalhos de temáticas sobrenaturais e oníricas como é o caso de outra obra-prima, Suspiria (1977).

Argento até hoje é visto como o principal herdeiro de Mario Bava e também conhecido como o Hitchcock italiano. Inclusive, há uma lenda dentro do mundo cinéfilo que quando o mestre inglês assistiu pela primeira vez Prelúdio para Matar, teria reagido da seguinte forma “Esse jovem italiano está começando a me preocupar“.

Brincadeiras à parte, é inegável a grande contribuição de Dario Argento ao cinema de horror. Possui uma filmografia vasta de ótimos filmes, independente se no novo milênio cometeu alguns “pecados” com trabalhos abaixo do seu potencial como é o caso de Giallo – Reféns do Medo (2009) e a versão do romance de Bram Stoker, Dracula 3D (2012), este por sinal, bem ruim. Se no cinema ele decepcionou, na TV os resultados são bem superiores como os ótimos episódios para o seriado Mestres do Terror, Jenifer e Pelts, além da produção dirigida diretamente para TV Você Gosta de Hitchcock? Nem imaginamos o porquê deste título, correto? Por isso nesta lista, vamos elencar três filmes menos balados deste artista italiano que você precisa conhecer sem sentir-se culpado pela matança presenciada:


Phenomena (
Phenomena, 1985)

Depois de Suspiria (1977) é o trabalho de Argento que melhor dialoga com o sobrenatural e onírico. A história ainda que bizarra e insólita mistura telepatia e comunicabilidade de insetos com os velhos ingredientes dos Giallos de assassinatos em série. Destaque para a atmosfera surreal que não poupa o espectador de cenas grotescas de horror e violência. Uma delas, envolve uma piscina com cadáveres em decomposição e vermes asquerosos. Há também belos achados visuais principalmente da fotografia nas cenas noturnas. A trilha sonora é recheada de Heavy Metal clássico, de Iron Maiden a Motorhead. Phenomena tem o elenco mais americano que Argento já teve em mãos: a bela Jennifer Connelly ainda adolescente em seu primeiro papel principal (antes ela tinha feito apenas pontas nos filmes), o finado Donald Pleasence (de Halloween) e Paul Sorvino (de Os Bons Companheiros), além de Daria Nicolodi (ex-esposa do diretor) e da sua filha Fiori Argento. No geral, o roteiro pobre é compensado pelo visual majestoso que ajuda a definir este trabalho como um conto de fadas assustador.


Terror na Ópera (1987)

É o filme mais ambicioso e de maior orçamento da carreira do diretor, mas foi um fracasso retumbante de público. É a volta dele aos Giallos e que se apropria do mito do Fantasma da Ópera para criar um trabalho visualmente impressionante. Argento faz uma ótima junção do estilizado com o bruto, logo é um dos seus raros trabalhos que alterna entre o real e surreal. Guarda algumas similiaridades com Phenomena tanto pelos buracos do roteiro como pela trilha sonora Heavy Metal. Para os fãs do sadismo da franquia Jogos Mortais, o cineasta italiano dá uma aula de como criar cenas enervantes sem precisa de uma montagem frenética: O assassino amarra uma das suas vítimas e gruda com fitas durex, agulhas perto dos seus olhos impedindo-a de fechá-los. Por fim, a obriga a testemunhar os assassinatos – assim como os atônitos espectadores que se tornam verdadeiros cúmplices voyeurs diante dos crimes. Pessoalmente considero este o último grande filme de Argento, graças a momentos “esmagadores” como a sequência subjetiva dos corvos voando na ópera e a cena antológica envolvendo a morte da personagem de Daria Nicolodi. Marcou o fim de um ciclo e um ano difícil para o cineasta em virtude do surgimento de uma depressão causada pelos problemas pessoais da época – a separação da sua mulher, a morte do pai e o fracasso de bilheteria do filme. Ainda que oscile entres acertos e erros, Terror na Ópera é o estado cru e sujo de sadismo, um filme maldito deste diretor.

 

Tenebre (1982)

Falo de coração: é um dos trabalhos mais injustiçados ou incompreendidos do maestro e artista Argento. Estas duas qualidades caem como uma luva principalmente para a pintura vibrante que é Tenebre. Uma obra de imagens inesquecíveis com planos e movimentos de câmera inventivos – a cena que a câmera passeia de um lado para o outro de um prédio até adentrar em um apartamento para ilustrar o assassinato de duas lésbicas é magistral. Sem contar que é um dos trabalhos mais violentos do cinema italiano (junto com o Estripador de N.York de Lucio Fulci) com uma sequência final insana de aproximadamente 10 minutos, onde o sangue jorra em abundância, deixando paredes brancas tingidas de vermelho. O enredo metalinguístico proporcionado pelo roteiro ajuda a incrementar ainda mais o fascínio por este trabalho, uma divertida metáfora entre autor e sua obra ou do processo artístico de criação e destruição. É também o meu final favorito dos filmes do cineasta. Tenebre representa o auge maduro de Argento no domínio da técnica cinematográfica. Encenar assassinatos aqui nunca funcionou tão bem como exercício metalinguístico, onde a tinta para pintar as imagens é o vermelho que jorra de braços amputados. Merece ser visto em cada detalhe da sua essência vibrante.